
Por Reynaldo Aragon
A ofensiva dos Estados Unidos contra o Brasil deixou de ser um conflito diplomático convencional e se consolidou como uma operação de ruptura fabricada. Washington conduz, com precisão cirúrgica, uma estratégia para empurrar o Brasil ao limite, buscando um corte formal nas relações diplomáticas que sirva de gatilho para sanções mais amplas, isolamento internacional e desestabilização interna.
O roteiro já está em curso: tarifas punitivas, sanções políticas seletivas e guerra narrativa sincronizada, articuladas para minar o governo Lula e enfraquecer as instituições de defesa da democracia. O que está em jogo não é apenas a relação bilateral, mas a própria capacidade do Brasil de sustentar sua soberania diante de uma escalada coordenada em múltiplas frentes.
Contexto imediato
Nos últimos 40 dias, a relação Brasil–EUA entrou em uma fase de hostilidade aberta e meticulosamente construída. A primeira ofensiva veio no campo econômico, com a imposição de tarifas punitivas que atingem setores-chave como aço, café e derivados, elevando impostos de importação em até 50% e criando um impacto imediato na cadeia exportadora.
Em seguida, Washington acionou a Lei Global Magnitsky para sancionar o ministro Alexandre de Moraes, medida inédita e carregada de simbolismo, mirando diretamente no guardião institucional que freou o avanço do golpismo em 2022 e 2023.
O terceiro movimento foi a ofensiva pública da Embaixada dos EUA em Brasília, com comunicados em tom incomum para a diplomacia, desqualificando decisões do STF e sugerindo que o Brasil viola padrões democráticos.
Nenhum desses eventos é isolado; juntos, eles formam um roteiro de pressão escalonada, projetado para criar um ambiente de tensão insustentável que force o Brasil a reagir de forma a justificar a narrativa de ruptura que Washington quer vender ao mundo.
Tática dos EUA
O objetivo real de Washington é produzir a ruptura para, a partir dela, legitimar uma escalada sancionatória e um isolamento político que reduza a margem de manobra do Brasil no comércio, nas finanças, na tecnologia e na diplomacia.
O método combina três vetores simultâneos: estrangulamento econômico por tarifas e barreiras não tarifárias calibradas para setores-sinal; lawfare transnacional com sanções seletivas a autoridades e instituições para corroer legitimidade e criar custo reputacional; e guerra narrativa operada por rede diplomática, think tanks, parlamentares aliados e metaintermediários digitais para fixar os enquadramentos de “autoritarismo” e “insegurança jurídica”.
Os instrumentos são claros: listas tarifárias escalonadas e passíveis de extensão, uso expansivo de regimes sancionatórios extraterritoriais, ativação pública da embaixada como ponta de lança comunicacional, multiplicação de audiências e cartas abertas em parlamentos estrangeiros, pressão indireta sobre plataformas para afrouxar moderação e permitir crescimento de desinformação, além de articulações em organismos multilaterais para travar resoluções e patrocinar moções críticas.
Tudo é desenhado para elevar o custo de permanência do Brasil no curso autônomo e deslocar o país da disputa estratégica do Sul Global para uma posição defensiva, reativa e justificativa. O cálculo é simples: forçar erros, induzir exaustão política e apresentar a ruptura como consequência “natural”, quando, na verdade, é o produto final de uma engenharia de pressão contínua.
Ponto de tensão máxima — onde estamos agora
Chegamos ao platô crítico da operação: a pressão externa já transbordou para dentro e começa a reorganizar incentivos políticos, econômicos e midiáticos no Brasil. O tarifaço encarece exportações e mobiliza setores empresariais por previsibilidade imediata, criando ruído sobre a capacidade do governo de proteger cadeias estratégicas.
A sanção a uma autoridade do STF desloca o eixo do debate para “legitimidade institucional”, tentando isolar o dique que conteve o golpismo e desgastar o consenso mínimo de defesa da ordem democrática. A embaixada, com comunicação assertiva e calculada, funciona como metronomo narrativo, sinalizando que novos passos virão se o país “não ajustar o rumo”.
A soma produz um estado de latência: qualquer faísca — ampliação de sanções pessoais, nova rodada tarifária, moções hostis em organismos internacionais, ou um episódio de não cooperação de plataformas com decisões judiciais — pode forçar uma reação dura do Brasil.
É esse o objetivo: transformar autodefesa em “prova” de radicalização e rotular uma resposta soberana como ruptura. Internamente, o custo político para o governo sobe porque a crise é sentida no bolso e no símbolo; externamente, cresce a expectativa de que o Brasil pisque primeiro.
O tempo, aqui, é arma: cada semana de incerteza corrói margem de manobra e aproxima o país da escolha binária entre absorver a chantagem ou cortar o nó. A janela para reordenar a mesa antes do ponto de não retorno é curta, e é justamente disso que a estratégia adversária depende.
Cenários possíveis (até meados de 2026)
O desfecho da crise pode seguir diferentes trajetórias, mas todas já estão dentro de um espectro previsível. No cenário de congelamento hostil, as tarifas e sanções atuais se estabilizam, sem novas rodadas, e o Brasil mantém relações diplomáticas formais enquanto acelera a diversificação comercial via BRICS+, CELAC e África, reduzindo a dependência dos EUA.
É o caminho de contenção, mas exige disciplina estratégica e resiliência política para suportar pressão contínua. Na escalada controlada, Washington amplia o alcance das sanções para mais autoridades e setores estratégicos, aciona aliados na Europa e reforça o lawfare transnacional, elevando o custo jurídico e reputacional da cooperação com o Brasil; a tensão cresce, mas ainda sem rompimento total.
A ruptura parcial ocorre quando o Brasil decide retaliar de forma formal e limitada, com barreiras comerciais e diplomáticas e disputa aberta na OMC, preservando apenas a cooperação essencial. No cenário extremo de ruptura total, o canal diplomático é cortado, a cooperação científica, tecnológica e militar é suspensa, e abre-se espaço para guerra informacional e cibernética de alta intensidade, com sabotagens diretas e indiretas.
Por fim, a descompressão mediada representa a hipótese mais rara, mas possível: custos internos aos EUA e pressão de aliados forçam um recuo retórico e a negociação de um armistício tarifário, mediado por terceiros, com ajustes mínimos que permitam salvar as aparências de ambos os lados.
Cada cenário tem gatilhos claros e consequências profundas, e o mais perigoso é acreditar que a crise pode “se resolver sozinha” — ela foi construída para não se resolver sem custo.
Até onde os EUA podem ir — frentes de sabotagem

A frente econômica é a alavanca inicial e pode escalar com novas tarifas, cotas e barreiras não tarifárias disfarçadas de requisitos sanitários, ambientais ou de conformidade, somadas a pressões sobre certificações e seguros, elevando custos e tornando exportações brasileiras menos competitivas; a financeira opera via restrição de acesso a crédito e compliance, com bancos e seguradoras elevando risco-país na prática, encarecendo captações e travando investimentos estratégicos.
No plano jurídico, o lawfare transnacional se expande com uso extraterritorial de sanções tipo Magnitsky atingindo autoridades, gestores públicos e empresas-chave, criando chilling effect em cooperação internacional e inibindo fornecedores e parceiros; na tecnologia, a pressão recai sobre Big Techs e provedores de nuvem para “reinterpretar políticas” no Brasil, afrouxar moderação, despriorizar canais oficiais e impor mudanças técnicas que dificultem a execução de decisões judiciais, enquanto cadeias de semicondutores, softwares críticos e certificações de segurança são usadas como gargalo.
A frente informacional intensifica campanhas de deslegitimação contra governo, STF e TSE, coordenando think tanks, parlamentares estrangeiros e influenciadores transnacionais para fixar o enquadramento de “autocracia judicial” e “insegurança regulatória”; em paralelo, a frente diplomática busca isolar o Brasil em organismos multilaterais, bloquear resoluções de interesse do país, patrocinar moções críticas e incentivar parceiros a replicar barreiras, produzindo efeito dominó.
No campo cibernético, aumentam operações de intrusão, DDOS e vazamentos seletivos para constranger políticas públicas e semear desconfiança; na logística, gargalos discretos em portos, transporte marítimo e seguros elevam prazos e custos, erodindo contratos.
A energia e a transição climática viram arma narrativa e regulatória, com rótulos “verdes” usados para travar o pré-sal, a petroquímica e o financiamento de infraestrutura; na ciência e educação, suspensões de cooperação, vistos e intercâmbios drenam capacidade de pesquisa e inovação; na inteligência, cresce a intermediação de “parcerias técnicas” para colher dados sensíveis e ativar redes de influência.
O objetivo cumulativo é claro: elevar o custo de permanecer soberano até que a autodefesa brasileira seja caricaturada como prova de radicalização e usada para legitimar uma escalada ainda mais dura.
Resposta estratégica do Brasil
A resposta precisa combinar dissuasão e construção de alternativas, com execução imediata e mensuração semanal. No eixo econômico e financeiro, ativar um programa de desvio de fluxo comercial para BRICS+, África e Ásia com acordos de clearing em moedas locais; ampliar ACC, PROEX e garantias públicas para cadeias atingidas, usando bancos públicos como colchão anticíclico; publicar um mapa de riscos tarifários por setor com medidas de mitigação e metas de substituição de mercados em 90 dias.
No eixo jurídico e diplomático, abrir contenciosos calibrados na OMC e em fóruns ad hoc, mantendo a iniciativa comunicacional; articular um bloco de países para uma carta conjunta de repúdio a sanções extraterritoriais e à politização do regime Magnitsky; lançar um Livro Branco bilíngue que documente o devido processo no Brasil e a cronologia da ingerência, com anexos de evidências auditáveis.
No eixo tecnológico, acelerar política de soberania digital com migração progressiva de dados sensíveis para nuvens públicas nacionais e federações acadêmicas; firmar acordos de suprimento e coprodução em semicondutores maduros, softwares críticos e cibersegurança com parceiros do Sul; exigir trilhas de conformidade C2PA e logs de execução das plataformas em ordens judiciais, com prazos e penalidades claras.
No eixo informacional, instituir um gabinete permanente de integridade cognitiva com monitoramento de sinais fracos, protocolos de resposta em 30, 90 e 180 minutos e pacotes de prova para imprensa e organismos internacionais; padronizar a comunicação de crise em três blocos fixos — o que sabemos, o que não sabemos, o que testaremos — e publicar relatórios de transparência quinzenais.
No eixo de segurança e infraestrutura, elevar prontidão cibernética com exercícios red team trimestrais envolvendo TSE, STF, Casa Civil e estatais; proteger logística com acordos de seguro, diversificação de rotas e buffers de estoque em portos estratégicos; blindar energia e pré-sal com contratos de offtake e instrumentos de financiamento verde sob governança brasileira, para neutralizar uso oportunista de rotulagem ambiental.
No eixo político-social, construir uma coalizão público-privada de interesse nacional com metas de continuidade de investimentos, salvaguardas trabalhistas e contrapartidas tecnológicas, reduzindo o espaço de pânico econômico e explorando o benefício de coordenação.
O princípio operativo é simples: reduzir a superfície de chantagem, aumentar o custo de escalada para o adversário e oferecer ao país uma rota de estabilidade sob pressão, sem ceder em soberania.
Conclusões
A crise não é um acidente, é engenharia. Os Estados Unidos operam para empurrar o Brasil à ruptura e, a partir dela, justificar sanções amplas, isolamento político e corrosão institucional. O país já está no platô crítico em que cada semana de incerteza aumenta custo econômico, risco jurídico e desgaste simbólico.
A única resposta racional é precisão estratégica: diversificar mercados e finanças, acionar contenciosos calibrados, documentar a ingerência com provas auditáveis, blindar infraestrutura tecnológica e logística, elevar prontidão cibernética e operar uma comunicação de crise transparente e militante da verdade.
O objetivo não é vencer uma batalha de narrativas, é manter capacidade decisória sob ataque e aumentar o preço da escalada para o adversário. Se a ruptura vier, que seja registrada como produto de uma operação hostil e não como erro tático nosso; se a descompressão ocorrer, que se dê sem concessões que amputem soberania.
Não há espaço para hesitação. O Brasil precisa agir como Estado em defesa de si mesmo, com coordenação, velocidade e método, porque a alternativa é a erosão silenciosa e irreversível do direito de decidir o próprio futuro.