
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) divulgou um documento que comprova que seus agentes alertaram com antecedência o governo federal sobre o risco iminente de colapso no sistema de saúde de Manaus, incluindo a escassez de oxigênio que resultou em dezenas de mortes em 2021. O episódio se tornou um dos símbolos mais dramáticos da crise sanitária provocada pela Covid-19 no Brasil.
Segundo os registros da Abin, o alerta inicial foi feito em 11 de maio de 2020, meses antes do agravamento da situação. O documento apontava não apenas o risco de explosão de casos, como também destacava a sobrecarga já existente no sistema de saúde da capital amazonense.
Além disso, os agentes chamaram atenção para o impacto do garimpo ilegal na disseminação do vírus, especialmente entre populações indígenas. Um trecho do relatório diz:
“Uma nova dimensão, especialmente preocupante, dessa expansão é a possibilidade de contágio de populações indígenas pelo novo coronavírus. O trânsito de pessoas em função do garimpo rompe a barreira de isolamento relativo que tem sido responsável por proteger essas populações ou, ao menos, por retardar a disseminação da infecção.”
O relatório ainda alertava para a gravidade da situação em Manaus:
“O risco é potencializado em virtude do quadro de contágio acelerado na cidade de Manaus, que vive uma das situações mais críticas do país. Apesar de sua população reduzida, o estado do Amazonas é atualmente o quinto em número de mortes confirmadas por coronavírus e seu sistema de saúde já se encontra sobrecarregado.”

Contradições com o discurso oficial
Um agente da Abin, que atuava na Superintendência Estadual do Amazonas e pediu anonimato, afirmou que os informes produzidos pela agência não coincidiam com as informações divulgadas pelo governo federal na época.
“A realidade que relatávamos nos documentos não se alinhava com o discurso oficial, que dizia que as notícias da mídia sobre Manaus eram exageradas. Só que não eram. Pelo contrário: o que a imprensa mostrou foi pouco perto do que realmente aconteceu”, relatou.
O agente também revelou que os dados oficiais de mortes estavam subestimados. De acordo com ele, só entravam nas estatísticas os casos com teste positivo, mas a testagem era extremamente limitada.
“Não tinha teste para todo mundo. Só uma porcentagem dos mortos era de fato testada, e só essa parte entrava na estatística. A gente sabia que era muito mais, porque via o que acontecia: filas no cemitério, gente morrendo nas calçadas do hospital.”
Em março de 2021, o número de mortes provocadas pela Covid-19 no Amazonas chegou a 11 mil, sendo 7.810 apenas em Manaus. A Abin estima que esse número tenha sido, na prática, ainda mais alto.