
Oito navios de guerra, um submarino nuclear e dez caças de última geração. Esse é o arsenal que o presidente norte-americano Donald Trump enviou para os arredores da Venezuela, em sua mais recente provocação belicista contra o governo de Nicolás Maduro.
Não é a primeira vez que os Estados Unidos despacham navios de guerra e ameaçam a Venezuela com uma invasão. Um episódio semelhante ocorreu em maio de 1958, quando o presidente Dwight Eisenhower enviou um porta-aviões e oito contratorpedeiros para o Caribe.
O motivo da ameaça? O automóvel que transportava o vice-presidente Richard Nixon havia sido atacado por manifestantes nas ruas de Caracas. Os venezuelanos estavam indignados com apoio que os Estados Unidos deram ao ex-ditador Marcos Pérez Jiménez, que havia sido deposto recentemente em uma revolta popular.
A turnê de Nixon
Eleito vice-presidente dos Estados Unidos na chapa encabeçada por Dwight D. Eisenhower, o republicano Richard Nixon organizou uma série de visitas oficiais aos países da América do Sul em 1958.
O objetivo da turnê era fortalecer as relações inter-hemisféricas e consolidar a presença dos Estados Unidos na região, como parte da estratégia de contenção — a política norte-americana que visava neutralizar a influência internacional da União Soviética e das organizações da esquerda radical.
O recente restabelecimento dos laços diplomáticos entre a União Soviética e alguns países sul-americanos e a assinatura de novos acordos comerciais entre as nações do continente e o bloco socialista eram vistos como sinais alarmantes por Washington.
Essa reaproximação ocorria em um contexto de crise econômica. A queda mundial nos preços das commodities havia impactado severamente as economias sul-americanas. E enquanto as exportações regionais para os Estados Unidos e Europa declinavam, a União Soviética se oferecia para absorver parte da demanda.
Nixon pretendia visitar todos os países da América do Sul, com exceção do Brasil e do Chile. O Brasil já fora visitado pelo norte-americano no ano anterior, ao passo que o mandatário chileno, Carlos Ibáñez del Campo, estaria fora de seu país na ocasião.
Iniciando-se em abril de 1958, a turnê diplomática foi bem tranquila nas paradas iniciais. Com exceção de alguns pequenos protestos isolados, Nixon foi bem recebido no Uruguai, na Argentina, no Equador e na Colômbia.
O primeiro contratempo da viagem surgiu no Peru. Ao visitar a Universidade de San Marcos, em Lima, o norte-americano foi recebido por um grande protesto estudantil. Os peruanos jogaram pedras na comitiva dos Estados Unidos, forçando Nixon a se retirar.
A agenda oficial foi retomada no dia seguinte e Nixon compareceu à praça central da cidade para depositar uma coroa de flores na estátua de Simón Bolívar, diante de uma amigável multidão de cerca de 1.000 pessoas.
A visita à Venezuela
A próxima parada de Nixon, entretanto, era a Venezuela, onde a tensão política e o descontamento com os Estados Unidos estavam em alta. Isso porque, no início do ano, o ditador venezuelano Marcos Pérez Jiménez, um aliado dos norte-americanos, havia sido derrubado após um enorme levante popular.
General do exército, Pérez Jiménez assumira o governo da Venezuela através de um golpe militar apoiado pela Casa Branca e fez uma das gestões mais desastrosas da história do país, marcada por crises econômicas, perseguição política dos opositores e severa repressão à população.
Mesmo após sua deposição, Pérez Jiménez seguiu sendo fortemente apoiado pelo governo dos Estados Unidos, que lhe oferecera asilo político logo após sua deposição.
Os norte-americanos também haviam condecorado o ditador venezuelano com a Legião de Mérito, ao mesmo tempo em que atacavam veementemente o governo de Wolfgang Larrazábal, chefe do governo provisório, que pretendia ser candidato à presidência na eleição superveniente, apoiado por uma coalizão de partidos — incluindo o Partido Comunista da Venezuela (PCV).
Tamanho era o incômodo com as ações do governo norte-americano que o Conselho Municipal de Caracas chegou a aprovar uma resolução declarando Richard Nixon como “persona non grata”. O chefe da CIA na Venezuela aconselhou Nixon a cancelar a viagem ao país, mas o líder republicano considerou a recomendação exagerada e alarmista.
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O ataque à comitiva
Nixon não precisou esperar muito tempo para notar que estava equivocado. Logo após o desembarque no Aeroporto de Maiquetía, o vice-presidente já foi confrontado por um grupo de 500 manifestantes que gritaram palavras de ordem e atiraram objetos contra seu carro.
O primeiro compromisso de Nixon na capital venezuelana seria depositar uma coroa de flores no túmulo de Simón Bolívar no Panteão Nacional. O plano, no entanto, teve de ser cancelado. Uma multidão havia bloqueado o acesso ao espaço e destruído a coroa de flores levada por adido da marinha dos Estados Unidos.
O vice-presidente decidiu então rumar direto para a embaixada norte-americana em Caracas. Mas assim que o trânsito pesado da capital venezuelana forçou o veículo de Nixon a desacelerar, populares cercaram o automóvel e começaram a hostilizá-lo.
Os manifestantes jogaram ovos e pedras e golpearam o automóvel com murros e pedaços de pau, amassando a lataria e estilhaçando os vidros. Em seguida, começaram a chacoalhar o veículo, tentando virá-lo.
Os seguranças de Nixon sacaram as armas e se prepararam para atirar nos manifestantes, mas foram contidos pelo vice-presidente, que alegou que disparos apenas enfureceriam a multidão, grande demais para ser contida.
Batedores que acompanhavam a comitiva e uma caminhonete do serviço de imprensa do governo dos Estados Unidos abriram caminho em meio aos populares, bloqueando o acesso ao veículo.
Alertado, o governo venezuelano enviou tropas do exército para dispersar os manifestantes, permitindo à comitiva de Nixon seguir viagem até a embaixada. A chancelaria norte-americana foi cercada pelo exército e pela guarda dos fuzileiros navais.
Informada sobre o ocorrido, a Casa Branca divulgou um comunicado com forte tom de indignação, condenando que chamou de “o ataque mais violento já perpetrado contra um alto funcionário americano em solo estrangeiro”.
A resposta foi histérica. O presidente Eisenhower ordenou o envio do porta-aviões USS Tarawa para o litoral venezuelano, acompanhado por oito contratorpedeiros e dois navios anfíbios de assalto.
A 2ª Divisão da Marinha e a 101ª Divisão Aerotransportada também foram mobilizadas e ficaram em alerta para efetuar uma eventual operação de invasão. A turnê sul-americana de Nixon foi cancelada e o vice-presidente retornou aos Estados Unidos dois dias após o incidente.
A imprensa norte-americana ecoou a fúria da Casa Branca, produzindo reportagens condenando o “violento ataque desencadeado pelos comunistas”. As matérias variavam desde a adulação pela “atitude exemplar” de Nixon até reivindicações raivosas de uma declaração de guerra contra a Venezuela, a despeito dos repetidos pedidos de desculpas feitos pelas autoridades sul-americanas.
O post ‘Yankees, go home!’: há 67 anos, venezuelanos expulsaram Nixon de Caracas apareceu primeiro em Opera Mundi.