
A ex-deputada ultraliberal venezuelana María Corina Machado ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2025. O prêmio foi concedido à liderança de extrema direita que tem apoiado o aumento da pressão dos Estados Unidos sobre a Venezuela. A premiação, no entanto, mostrou um caráter político, reconhecido pela própria Casa Branca.
A justificativa do prêmio ressalta esse conteúdo político ao destacar o “trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos para o povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. O presidente dos EUA, Donald Trump, esperava receber o prêmio e disse que a nomeação priorizou a “política acima da paz”.
A ultraliberal tem usado as redes sociais para demonstrar apoio aos ataques feitos pelos EUA contra embarcações no Caribe. A cada mês, ela também aparece na emissora estadunidense Fox News para dizer que está escondida e reforçar a importância de a Casa Branca “aumentar a pressão” contra o governo de Nicolás Maduro.
Para Marisol Guedez, educadora em direitos humanos do Observatório para Dignidade no Trabalho, o Nobel da Paz deste ano consolida a queda no prestígio da premiação, já que María Corina não apresentou “nenhuma preocupação” com a paz na Venezuela. Pelo contrário. Ela lembra dos atos violentos promovidos pela ex-deputada na última década e no ano passado.
“É um prêmio desvalorizado com o tempo e que perdeu toda a coerência. Essa foi a pá de cal. A trajetória de María Corina em princípio esteve no marco da democracia, mas depois ela começou a adotar posições cada vez mais extremistas, que saíram do marco da Constituição venezuelana. Ela convocou eventos violentos que saíram dos marcos jurídicos. Não eram espaços de encontro para uma via democrática com justiça social, e não uma democracia de elites”, disse ao Brasil de Fato.
O demérito do prêmio também foi indicado pelo cientista político e pesquisador venezuelano Eder Peña. Ele afirma que essa é uma validação internacional para o movimento de extrema direita e relembra o caso de Aung San Suu Kyi, que recebeu o Nobel da Paz em 1991 e, anos depois, foi acusada de limpeza étnica em Mianmar.
“É uma validação internacional, já que María Corina não tem hoje nenhum impacto nacional. E é a mesma fórmula de anos atrás. Lembra do caso de Mianmar? Esse prêmio também foi usado para operações de mudança de regime. Mas neste caso ela sequer está aqui na Venezuela”, afirmou.
A própria María Corina também reconheceu a nomeação política. Nas redes sociais, a ultraliberal disse que está “honrada” em receber o prêmio pelos “esforços que está fazendo na Venezuela”.
“Isso é algo que o povo venezuelano merece. Faço parte de um movimento enorme. Sinto-me honrada e grata por este reconhecimento e por fazer parte do que está acontecendo na Venezuela hoje. É um reconhecimento aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscam tudo para alcançar a liberdade e a paz”, disse.
RS/via Fotos Publicas
O uso político do prêmio em uma pressão internacional também fica claro quando analisada a postura histórica da ex-deputada. Corina pede ajuda dos Estados Unidos para a troca de governo na Venezuela há pelo menos 20 anos. Em 2005, ela visitou a Casa Branca e se reuniu com o então presidente dos EUA, George W. Bush. O encontro gerou repúdio por parte de Caracas, que alegou que, naquele momento, nem o embaixador venezuelano em Washington conseguia uma reunião com Bush.
Guedes entende que o prêmio é a “cereja do bolo” de uma pressão internacional, inclusive militar, que hoje acontece contra a Venezuela. Os EUA posicionaram 8 navios de guerra em águas internacionais próximos ao país caribenho com a justificativa de “combater o narcotráfico”. Mas os reiterados ataques contra embarcações sem provas de envolvimento com o tráfico e as declarações de Trump contra Maduro expuseram a “guerra psicológica” promovida sobre Caracas.
“Fica claro uma estratégia global para a mudança de regime na Venezuela. A presença de navios de guerra no Caribe, próximo da Venezuela, mostra que esse prêmio Nobel da Paz completa a estratégia de posicionar o país caribenho como um alvo. Há também uma reacomodação dos conflitos, já que esse Nobel eclipsa o que está acontecendo em Gaza. Toda a negociação entre Hamas e Israel ficou em segundo plano hoje e posiciona a Venezuela como alvo da disputa por uma suposta paz”, disse Guedez.
Em todas as suas declarações, María Corina fala sobre a necessidade de mudança de governo e pede ajuda internacional. Mas poucas vezes ela fala sobre os problemas econômicos e saídas pacíficas para a crise da Venezuela. A especialista em direitos humanos afirma também que o pedido de sanções é uma forma “cruel” de atacar a própria população.
Isso porque o bloqueio contra o país aumentou a pobreza e desemprego e tudo isso levou a uma migração massiva que varia, segundo institutos, de 4,5 a 7 milhões de pessoas. Guedez indica que um dos principais problemas gerados por isso é a xenofobia contra venezuelanos fora do país e que María Corina não mostra interesse em combater o preconceito que os venezuelanos sofrem no exterior.
Os interesses políticos da ex-deputada também são comparados com outras figuras latino-americanas, especialmente com a família do ex-presidente Jair Bolsonaro. O filho do ex-mandatário, deputado Eduardo Bolsonaro (PL), está nos EUA articulando “sanções”, contra o Brasil e pede que autoridades do Judiciário tenham seus vistos retirados para entrar em território estadunidense.
“Poderíamos comparar com Eduardo Bolsonaro, porque é uma postura comum a todas as forças de extrema direita da nossa região. Usam a religião com fins políticos, e pedem sanções. Então a raiz é a mesma. O modelo de como essa extrema direita planeja fazer as coisas… São muitos casos semelhantes. Eles acham que a saída é extra regional, acham que a saída é com um neocolonialismo”, afirmou Guedez.
O post Venezuelanos contestam Nobel da Paz para María Corina e indicam ‘caráter político’ da premiação apareceu primeiro em Opera Mundi.