POLÍTICA

Sinais do futuro. Por Reynaldo Aragon

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

Por Reynaldo Aragon, no Código Aberto

A história real da possível presença tecnológica não humana no céu da Terra

O que acontece quando a ciência detecta um possível sinal de tecnologia não humana? Este ensaio analisa as implicações científicas, sociais e filosóficas da possível identificação de uma tecnossignatura — uma evidência de inteligência tecnológica extraterrestre — a partir dos estudos liderados pela astrofísica Beatriz Villarreal. Com base em dados do projeto VASCO e do ExoProbe, o texto discute os desafios que envolvem o reconhecimento institucional de fenômenos inéditos, os limites do método científico diante do desconhecido, e os impactos potenciais dessa descoberta sobre a ciência, a comunicação pública e a percepção da humanidade sobre seu lugar no universo.

Prólogo: Quando os céus deixaram de ser nossos

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

Numa noite qualquer de 1952, o céu sobre Washington D.C. piscou com mais do que estrelas. Os radares civis e militares captaram objetos velozes e inexplicáveis dançando sobre a capital dos Estados Unidos. A Força Aérea chamou de “anomalias atmosféricas”. A mídia os batizou de “visitantes”. O povo, entre o espanto e o deboche, chamou de UFOs. A ciência, acuada entre o método e o mistério, preferiu o silêncio.

Mas talvez o céu tenha começado a mudar antes — em 1950, quando múltiplos pontos de luz surgiram e desapareceram simultaneamente no registro de placas fotográficas astronômicas, sem explicação instrumental ou astrofísica plausível. Décadas depois, essas imagens seriam redescobertas por uma cientista sueca chamada Beatriz Villarreal, fundadora do projeto VASCO, que vasculha arquivos históricos em busca de transientes impossíveis: estrelas que somem, pontos que aparecem onde nunca houve nada, brilhos que não voltam mais. E agora, com o lançamento do projeto ExoProbe, sua busca se desloca para o presente, em tempo real. O objetivo? Identificar sondas, artefatos ou sinais tecnológicos não humanos que possam estar aqui — agora — entre nós.

Não estamos falando de naves com janelas ou homenzinhos verdes. Estamos falando de tecnossignaturas — evidências de engenharia, informação ou intervenção artificial não terrestre. Um feixe de laser disparado por outra civilização. Uma megaestrutura orbitando uma estrela distante. Um padrão estatístico num espectro que sugere codificação. Ou, talvez, uma sonda alienígena discreta, fria, silenciosa, rondando a Terra como um arqueólogo intergaláctico.

A tecnossignatura não precisa falar. Ela apenas precisa existir.

E se esse momento chegou — se já temos dados, transientes, frequências, padrões ou pistas confiáveis — então não estamos diante de uma ficção científica. Estamos diante de um ponto de inflexão epistemológico, filosófico e político na história da humanidade.

Este ensaio é sobre isso.

Não sobre crer ou duvidar, mas sobre pensar com seriedade científica, racionalidade radical e coragem cósmica diante da possibilidade mais transformadora já considerada pela astrobiologia moderna: não estarmos sós — e termos detectado, talvez discretamente, a presença de outra inteligência tecnológica no universo.

Não sabemos ainda o que vimos.

Mas os céus já não são apenas nossos.

O que é uma tecnossignatura e por que isso importa agora?

ree
Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

No vocabulário da astrobiologia contemporânea, a palavra que pulsa com mais força é “tecnossignatura”. Não se trata de ouvir uma voz misteriosa sussurrando “olá, humanos” no espectro de rádio, nem de encontrar uma nave pousada nos desertos de Marte. Tecnosignaturas são vestígios observáveis de tecnologia não humana — evidências empíricas, sutis e por vezes silenciosas, que revelam a ação ou a existência de inteligências capazes de transformar o universo ao seu redor. Uma emissão laser numa faixa estreita de frequência, um padrão de luz artificial em torno de uma estrela distante, um transiente óptico inexplicável registrado por telescópios de precisão. É como tropeçar numa pegada fossilizada de uma civilização que talvez nunca tenhamos a chance de ver, mas cuja passagem deixou marcas no tecido do cosmos.

O conceito tem raízes profundas. Em 1964, o astrofísico soviético Nikolai Kardashev propôs uma escala para classificar civilizações com base no controle de energia cósmica — da energia planetária (tipo I), passando pela estelar (tipo II), até a galáctica (tipo III). Desde então, nomes como Carl Sagan, Freeman Dyson, Paul Davies e Sarah Walker contribuíram para expandir a ideia de que, ao buscar vida fora da Terra, deveríamos procurar não apenas sinais biológicos, mas também os rastros tecnológicos de civilizações avançadas. Essa perspectiva ganhou força nas últimas décadas com o avanço de instrumentos capazes de detectar anomalias cósmicas em escalas antes inatingíveis.

Em 2018, a NASA consolidou a tecnossignatura como campo legítimo de investigação, abrindo editais específicos e integrando o conceito à sua agenda oficial de astrobiologia. O SETI Institute, antes focado majoritariamente em sinais de rádio, ampliou sua abordagem para incluir artefatos interestelares, anomalias atmosféricas e estruturas orbitais suspeitas. Nascia, assim, uma nova era de “astroarqueologia observacional”: uma investigação forense de longa distância, como se o universo fosse um cenário pós-histórico onde restos de engenharia cósmica permanecem à deriva — e nós, arqueólogos planetários, tentássemos decifrar sua origem.

O que muda radicalmente em 2025 é que os instrumentos disponíveis finalmente se tornaram à altura da ambição. O Telescópio Espacial James Webb, com sua capacidade de ler espectros atmosféricos de exoplanetas, já detecta composições químicas que desafiam explicações naturais. O Zwicky Transient Facility (ZTF) e o futuro Vera Rubin Observatory rastreiam o céu em tempo real, identificando transientes ópticos com precisão milimétrica. E projetos como o VASCO (Vanishing and Appearing Sources during Century of Observations), liderado por Beatriz Villarreal, estão redescobrindo registros históricos da abóbada celeste que desafiam explicações convencionais — estrelas que simplesmente desapareceram, flashes simultâneos em regiões distintas do céu, pontos de luz que nunca mais voltaram.

Agora, com o ExoProbe, Villarreal e sua equipe ampliam a busca para o presente, em tempo real, focando em eventos de curtíssima duração e possível origem artificial. Trata-se de uma sondagem sistemática por anomalias que não duram mais que alguns segundos — mas que, se interpretadas corretamente, podem ser os primeiros rastros de uma inteligência não humana operando próxima à Terra.

Neste cenário, a tecnossignatura não é apenas um objeto de especulação científica. Ela se torna uma hipótese de trabalho concreta, observável, verificável — e com potencial para reconfigurar tudo o que entendemos como ciência, história e civilização. Não estamos mais procurando por vida em Marte ou microrganismos em luas geladas. Estamos procurando por artefatos, padrões, inteligências ausentes. Procuramos, enfim, por nós mesmos refletidos no outro — não na biologia, mas na técnica. E se encontrarmos algo, mesmo um vestígio, mesmo uma falha de luz num dado antigo, talvez isso seja o bastante para encerrar um ciclo de isolamento cósmico que moldou a cultura, a religião e a ciência por milênios.

Neste exato momento, com os dados que temos, com os algoritmos que processamos, com os céus que escaneamos, a tecnossignatura deixou de ser um conceito abstrato. Ela se tornou uma possibilidade concreta. E diante disso, talvez a única resposta intelectualmente honesta seja esta: não sabemos ainda o que estamos vendo — mas já não podemos mais desver.

Beatriz Villarreal, VASCO e o ExoProbe: a caçadora de fantasmas no céu

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

No coração do que pode ser o maior salto epistêmico da história recente da ciência está uma mulher com olhos treinados para detectar fantasmas no céu — não espíritos, mas presenças tecnológicas silenciosas. Beatriz Villarreal, astrofísica sueca com doutorado em espectroscopia estelar e um talento inato para correlacionar padrões invisíveis, lidera um dos projetos mais ousados da astronomia contemporânea: o VASCO Project (Vanishing and Appearing Sources during a Century of Observations). Seu objetivo é, em essência, rastrear o impossível.

A premissa do VASCO é brutal em sua simplicidade: e se existirem objetos no céu que já foram registrados por telescópios no passado, mas que desapareceram sem deixar vestígios? E se houver pontos de luz que piscaram num instante, estiveram presentes em registros fotográficos centenários — como placas de vidro da década de 1950, guardadas nos arquivos do Harvard College Observatory — mas que, ao serem comparados com imagens modernas de altíssima resolução, simplesmente não estão mais lá?

Essa hipótese, antes descartada como ruído instrumental ou erro de medição, começou a ganhar tração quando Villarreal e sua equipe — composta por especialistas em astrofísica, machine learning, história da ciência e ciência cidadã — começaram a sistematizar os cruzamentos entre milhares de placas fotográficas antigas e bancos de dados astronômicos contemporâneos. O que encontraram foi desconcertante: dezenas de transientes ópticos sem explicação conhecida. Não estrelas variáveis. Não supernovas. Não lentes gravitacionais. Mas objetos que surgiram e sumiram do céu como se estivessem acendendo e apagando deliberadamente — como se alguém lá fora estivesse, literalmente, piscando para nós.

Villarreal não é dada a sensacionalismos. Seus artigos são tecnicamente precisos, revisados por pares e metodologicamente robustos. Mas suas hipóteses de trabalho são ousadas: talvez estejamos detectando, retroativamente, tecnossignaturas de sondas interestelares, artefatos orbitais ou experimentos de engenharia cósmica que se manifestaram brevemente em nosso campo de visão antes de seguirem seu curso invisível. Em uma entrevista ao European Astrobiology Institute, ela afirmou: “Estamos começando a perceber que o céu guarda memórias. E algumas dessas memórias talvez não sejam naturais.”

Com o lançamento recente do ExoProbe, Villarreal agora avança do passado para o presente. Se o VASCO vasculha registros históricos, o ExoProbe atua como um radar contínuo, operando em tempo real para detectar novos transientes — flashes, sumiços, objetos que mudam de posição, intensidade ou forma num intervalo de milissegundos. Equipado com inteligência artificial treinada em padrões astronômicos conhecidos, o ExoProbe é desenhado para destacar o “desconhecido do desconhecido”: fenômenos que não se encaixam em nenhuma das categorias astrofísicas tradicionais.

A proposta vai além da ciência observacional. Villarreal está propondo uma nova ontologia do cosmos, onde o céu não é apenas um espaço físico, mas um arquivo dinâmico de intervenções inteligentes — algumas talvez tão avançadas que suas manifestações sequer seriam reconhecidas como tecnologia por nós. Como sugeriu Arthur C. Clarke em sua Terceira Lei, “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia” — e talvez estejamos, finalmente, diante dessa mágica codificada em luz.

É por isso que Villarreal se tornou, sem querer, um ícone da nova fronteira científica. A mídia começa a chamá-la de “a arqueóloga das estrelas desaparecidas”. Mas ela permanece metódica, precisa e firme: “Não estamos dizendo que há alienígenas. Estamos dizendo que o universo está nos apresentando dados que não compreendemos. E isso, por si só, é o começo de toda verdadeira ciência.”

A caçada começou. E os céus, pela primeira vez em muito tempo, voltaram a nos surpreender.

A ciência diante do inusitado: limites epistêmicos e silêncio institucional

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

A história da ciência é, em grande parte, a história da resistência ao inusitado. Quando Galileu apontou sua luneta para o céu e viu montanhas na Lua, enfrentou um clero que não via ali apenas uma disputa de observações, mas uma ameaça ontológica. Quando Alfred Wegener propôs que os continentes se moviam, foi ridicularizado durante décadas — até que a tectônica de placas se impusesse com provas irrefutáveis. Quando Jocelyn Bell Burnell detectou o primeiro pulsar em 1967, cogitou-se por um momento que o sinal periódico pudesse ser de origem alienígena. Brincaram: “Little Green Men”. Mas logo a hipótese extraterrestre foi descartada, substituída por uma explicação natural elegante. E a ciência seguiu.

O que Beatriz Villarreal e outros pesquisadores de tecnossignaturas enfrentam hoje é esse mesmo abismo epistemológico. O método científico exige replicabilidade, previsibilidade, controle de variáveis. Mas o cosmos não se importa com nossos protocolos. Se uma tecnossignatura real se manifesta como um transiente óptico único, registrado por um telescópio em 1954, e jamais se repete, isso é ciência? Isso é prova? Isso pode ser aceito como evidência legítima por comitês acadêmicos, agências espaciais e pares céticos?

O problema não é a ausência de dados — mas o fato de que esses dados não se encaixam em modelos existentes, não seguem padrões conhecidos, não podem ser testados experimentalmente. Estamos lidando com o que o filósofo Thomas Kuhn chamaria de “anomalias paradigmáticas”: dados que não apenas desafiam uma teoria, mas questionam o sistema inteiro no qual a ciência se organiza.

A ciência contemporânea é, em grande parte, uma tecnociência institucional. Ela depende de financiamento público e privado, de parcerias militares e corporativas, de carreiras acadêmicas que se constroem sobre publicações em periódicos revisados por pares. E dentro desse ecossistema, lidar com o desconhecido absoluto é um risco político e profissional. Reconhecer que um transiente pode ser uma tecnossignatura é muito mais do que admitir uma anomalia: é colocar em xeque os fundamentos do antropocentrismo cosmológico. É dizer, com todas as letras, que talvez não sejamos o ápice da inteligência no universo — nem mesmo neste sistema solar.

Por isso o silêncio institucional. Por isso os projetos como o VASCO e o ExoProbe operam muitas vezes nas bordas da academia, contando com apoio de redes internacionais, ciência cidadã e publicações em arXiv, antes de qualquer chancela formal. O risco de exposição ao descrédito é tão grande quanto o impacto da descoberta. E, ainda assim, como sempre ocorreu na história, são nesses interstícios — nesses momentos de ruído — que os maiores saltos do conhecimento se gestam.

A verdade é que a ciência não está preparada para detectar o inédito. Ela pode observá-lo, pode até registrá-lo. Mas sem linguagem, sem precedente, sem aparato institucional para processar o impensável, o dado se torna ruído. Como diz a astrobióloga Sarah Walker, “talvez a vida — ou a inteligência — já tenha se apresentado, mas não tínhamos a epistemologia para reconhecê-la”.

O drama das tecnossignaturas é esse: podem estar diante de nossos olhos — mas nossos olhos ainda são moldados por lentes antigas

E se for verdade? Implicações filosóficas, tecnológicas e civilizatórias

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

E se for verdade?

Essa pergunta, tão simples quanto explosiva, paira como uma sombra densa sobre todos os gráficos, espectros, pixels e transientes acumulados pelos telescópios do século XXI. E se os flashes registrados pelas placas fotográficas de 1952, os desaparecimentos catalogados pelo VASCO, os padrões não naturais filtrados pelo ExoProbe forem, de fato, indícios concretos de inteligência tecnológica não humana? Não uma ilusão, não um erro de paralaxe, não um artefato instrumental — mas sim a manifestação de algo real, técnico e não terrestre. O que acontece no instante seguinte?

Do ponto de vista filosófico, essa revelação detonaria um dos maiores deslocamentos ontológicos da história. Ao contrário do que muitos pensam, a descoberta de vida inteligente fora da Terra não confirmaria nossa centralidade no universo. Ao contrário: ela aniquila o último bastião do excepcionalismo humano. Desde Copérnico, temos sido empurrados para fora do centro — primeiro do sistema solar, depois da galáxia, depois da biologia. Detectar uma tecnossignatura seria, como escreveu o filósofo Jean-Pierre Dupuy, “a morte do antropoceno como projeto de dominação”.

Seria o reconhecimento de que não somos os primeiros, talvez nem os mais avançados, tampouco os mais sábios. Apenas os mais ruidosos, por enquanto.

Mas a implosão não seria apenas metafísica. Ela alcançaria a ciência, a tecnologia, a religião, a governança e a própria estrutura da cognição coletiva. A ideia de que existe — ou existiu — outra civilização tecnológica no universo, com capacidade de emitir sinais, construir artefatos ou manipular a luz, implicaria uma série de verdades incômodas: que o universo permite a longevidade tecnológica; que há formas de comunicação ou presença não necessariamente baseadas em simbiose biológica; que o projeto humano de domínio da natureza não é único — e talvez nem ideal.

A revolução seria também geopolítica. Como lidar, em um planeta profundamente desigual e em permanente guerra informacional, com a revelação de um “outro” tecnológico e cósmico? Quem teria acesso aos dados? Quem filtraria o significado? Quem decidiria o que é comunicado ao público? Se hoje já enfrentamos o colapso da confiança em instituições científicas diante de crises climáticas e pandemias, imagine o cenário após uma revelação que escapa completamente às categorias políticas e ideológicas da modernidade.

Na ficção científica, as respostas variam: em Contato, de Carl Sagan, há esperança e transcendência. Em Arrival, há ruptura temporal e empatia radical. Em O Enigma de Andrômeda, há contágio e paranoia. Na realidade, é provável que a revelação de uma tecnossignatura gere primeiro negação, depois competição, e só então — se tivermos sorte — compreensão.

E há ainda a dimensão ética. Se detectarmos uma tecnossignatura, teremos a obrigação de responder? De buscar contato? Ou o mais prudente seria o silêncio? Pensadores como Stephen Hawking advertiram que tentar dialogar com inteligências desconhecidas pode ser tão arriscado quanto um nativo do século XVI enviar sinais de fumaça a um galeão europeu. A descoberta de uma tecnossignatura não é apenas uma janela — é também uma escolha civilizatória: falar ou calar?

No fim, a questão mais profunda talvez não seja “e se for verdade?”, mas sim: “estamos prontos para essa verdade?”

Ou, ainda mais radicalmente: “nosso mundo tem lugar para ela?”

Porque uma tecnossignatura não apenas nos revela o outro. Ela nos revela a nós mesmos — como espécie, como projeto, como cultura. E talvez, ao encará-la de frente, percebamos que o maior mistério do cosmos não está nas estrelas — mas na forma como respondemos ao que desconhecemos.

Mídia, desinformação e a guerra pela narrativa cósmica

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

A verdade, por si só, nunca vence. E se um dia a detecção de uma tecnossignatura for anunciada, a primeira guerra que se travará não será nos céus — mas no circuito cerrado da informação globalizada.

Imaginemos o cenário: um observatório publica dados consistentes, revisados por pares, indicando a presença de um padrão luminoso incompatível com qualquer fenômeno astrofísico conhecido. Uma tecnossignatura. Um artefato. Um sinal. A notícia se espalha em segundos, mas o que se inicia não é uma celebração científica — é uma disputa brutal por controle narrativo.

A mídia corporativa global — moldada por décadas de infotainment, algoritmos de engajamento e guerras culturais — não vai lidar com sobriedade científica. Em questão de horas, o dado será traduzido em manchetes espetaculares: “Alienígenas chegaram?”, “NASA esconde a verdade?”, “Nova ameaça intergaláctica?”. A tecnossignatura se tornará mais uma peça no tabuleiro caótico de polarização política, teorias da conspiração, memes virais e manipulação intencional da ignorância.

Plataformas digitais serão tomadas por desinformação programada, campanhas de deslegitimação, sabotagem cognitiva em larga escala. Agentes estatais, think tanks, grupos religiosos e interesses corporativos disputando a hegemonia sobre o significado do evento. A extrema-direita digital acusando globalistas de forjar o contato para justificar governos planetários. Tecno-utopistas pregando uma nova era de redenção cósmica. E os céticos, por vezes arrogantes, exigindo mais dados — enquanto o mundo pega fogo em ansiedade semântica.

A questão não é se haverá ruído. A questão é quem controlará o ruído.

E isso nos leva ao papel central das instituições científicas, da mídia pública e da ciência cidadã.

Organizações como o SETI, a IAU, e centros universitários independentes terão que agir com extrema responsabilidade, navegando entre a prudência técnica e a urgência comunicacional. Mas estarão preparadas? Terão estrutura? Terão autonomia? Ou sucumbirão ao cerco da geopolítica da percepção, onde o que importa não é o que é real, mas o que pode ser transformado em crença mobilizadora?

É aqui que se revela uma das faces mais sombrias da modernidade digital: a verdade empírica deixou de ser suficiente para organizar o consenso social. Como mostram estudiosos como Shoshana Zuboff e Evgeny Morozov, vivemos sob um capitalismo de vigilância que molda a cognição coletiva por meio de arquitetura algorítmica. Se a tecnossignatura vier, ela será absorvida por essa lógica: não como conhecimento, mas como evento espetacular — passível de captura, monetização e reinterpretação conforme os interesses em jogo.

A batalha pela tecnossignatura será, antes de tudo, uma batalha pela linguagem, pelos filtros interpretativos, pela epistemologia dominante. E talvez, como disse Gramsci, o velho esteja morrendo e o novo não consiga nascer — e nesse interregno, surjam os monstros. Monstros informacionais, mitologias virais, populismos cósmicos, negacionismos estelares.

A pergunta não é apenas “o que vimos?”, mas “como o mundo verá isso?”

E essa resposta, infelizmente, não dependerá apenas da ciência.

Entre Carl Sagan e a ficção distópica: um manifesto por uma nova imaginação científica

Imagem gerada por IA. Foto: Reprodução

Este manifesto propõe, então, três compromissos radicais:

1 – Um novo pacto entre ciência e cultura. A astronomia não pode mais ser uma torre de marfim nem um playground de bilionários. Deve ser um projeto coletivo de imaginação, como as grandes odisseias que forjaram civilizações.

2 – Uma alfabetização cósmica universal. Cada ser humano tem o direito de saber como o universo funciona, e o dever de participar da interpretação de seus sinais. A tecnossignatura deve ser compartilhada, explicada, debatida em praça pública.

3 – Uma ética do inusitado. Não reagiremos com medo ao que não entendemos. Reagiremos com método, escuta, cautela e criatividade. Porque é assim que se faz ciência verdadeira — e também é assim que se vive com dignidade diante do desconhecido.

Entre o sonho de Sagan e o colapso da imaginação distópica, cabe a nós decidir qual será o próximo passo.

Talvez não estejamos sós.

Mas certamente nunca mais seremos os mesmos.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo