POLÍTICA

Sakamoto: você não precisa ser de direita para ver nas ameaças a Nikolas um absurdo

O deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). Foto: Wallace Martins/Estadão Conteúdo

Por Leonardo Sakamoto, publicado no UOL

Você não precisa ser de direita para achar as ameaças de morte contra o deputado federal Nikolas Ferreira criminosas e absurdas. E exigir que o suspeito por elas, preso pela Polícia Federal, seja processado e, comprovada a culpa, punido. Da mesma forma, você não precisa ser de esquerda para ver no assassinato da vereadora Marielle Franco um crime político abominável que calou uma potente voz negra , LGBT+ e periférica. Em ambos os casos, basta ter o mínimo de apreço pela democracia.

Acabamos de ver o ultrajante assassinato de Charlie Kirk, ativista da extrema direita norte-americana, durante um evento com estudantes em uma universidade em Utah.

É verdade que, infelizmente, a sociedade norte-americana sempre foi violenta na política: da Guerra Civil para cá, tivemos, por exemplo, mortes como as de Abraham Lincoln, Martin Luther King Jr, George Floyd. Mas, nos últimos tempos, o processo de desumanização do outro, de aniquilação do adversário, de destruição de pontes e de glorificação da violência escalaram com a velocidade das redes. Aqui e lá.

Eu posso considerar um absurdo completo muito do que Nikolas diz, mas a contestação precisa ser na arena pública ou na Justiça. O justiçamento, acreditando ser o direito a aniquilação do outro, é coisa de miliciano e bandido.

Lideranças sociais, religiosas e políticas de diferentes posições do espectro ideológico não podem afirmar que não têm responsabilidade com a violência. Não são suas mãos que agridem, mas é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorcem a visão de mundo de seus seguidores e tornam o ato da violência banal.

Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é ética e esteticamente aceitável, visão que depois é consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória ou divina, e irão para a guerra.

O extremista Charlie Kirk antes de ser morto durante palestra em universidade, nesta quarta (10). Foto: Reuters

Pacificação significa que lideranças precisam manifestar publicamente repúdio a casos de violência de natureza política, independentemente de quem seja o alvo, baixando a temperatura do debate público. A reconstrução de laços em uma sociedade dividida é fundamental para que possamos deixar esse processo de ódio e desumanização de lado.

Mas a pacificação dos ânimos não significa ignorar crimes cometidos em nome da inconformidade com os resultados eleitorais. Pelo contrário, para estar pacificada, uma democracia tem que ser capaz de punir quem transgrediu a lei e incitou a violência. Palavras não são um instrumento irrelevante, pelo contrário, são mais poderosas do que bombas.

Nesta semana, o ministro Luiz Fux, no voto para absolver os réus da trama golpista, defendeu que o Brasil deve ter mais tolerância sobre o que dizem seus cidadãos. Sob essa ótica, menosprezou declarações e conversas de autoridades. Viu a articulação da conspiração de Jair Bolsonaro como “choro de perdedor”, “bravatas contra autoridades” e “desabafo” de candidato derrotado. Normalizou o inaceitável.

Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

Novamente: um dos mecanismos mais eficazes de reduzir a violência é seguidores verem seus líderes parar de desumanizar e incitar ódio contra adversários. É fácil. Mas não dá voto, like no Instagram, nem lota algumas igrejas.

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