POLÍTICA

Sakamoto: Nobel da Paz asfaltou intervenção aberta da CIA de Trump na Venezuela

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – Brazil Photo Press / Folhapress

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Não é segredo para ninguém que os serviços de inteligência dos Estados Unidos, em especial a CIA, atuam há anos na Venezuela com o objetivo de enfraquecer e, se possível, derrubar o governo de Nicolás Maduro. A novidade, escancarada pelo The New York Times, é a autorização aberta de Trump para as ações. Que ganham a luz do dia pouco depois da concessão de um Nobel da Paz a uma defensora de intervenção dos EUA na Venezuela.

O que motiva Trump? Certamente, não é pela democracia. Forçar negociação sobre o petróleo? Necessidade de excitar os seguidores MAGA internamente?

Independentemente da razão, a questão pode descambar para um conflito armado dada a imprevisibilidade do presidente norte-americano, o que é péssimo para a população venezuelana — que pode ver a vid ficar ainda mais difícil com o seu país transformado em lodaçal militar. E terá repercussões no subcontinente: o Brasil tem sua segunda maior fronteira com a Venezuela e receberia um tsunami de refugiados.

Maduro é um ditador, que fraudou as eleições para permanecer no poder e governa de forma autoritária ao lado dos militares, que se locupletam dos recursos do Estado. Isso, contudo, não beatifica toda a oposição venezuelana. A vencedora do Nobel da Paz, María Corina Machado, tem um histórico antidemocrático.

A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, foi laureada com o Nobel da Paz. Foto: PEDRO MATTEY/AFP

Trump tem seus ditadores inimigos, mas também os de estimação. Enquanto a Venezuela é alvo de sanções estrondosas e ameaças veladas por parte dos EUA, outras ditaduras no Oriente Médio, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes e o Qatar, são tratados como aliados estratégicos. Com petróleo, bases militares, investimentos nos EUA e doação de avião a Trump.

Enquanto isso, nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, o bolsonarismo celebra. Para essa turma, a intervenção na Venezuela é um ensaio para o que deliram por aqui: uma ação dos EUA para depor um governo democraticamente eleito, devolvendo quem tentou um golpe de Estado ao poder. É a velha subserviência de quem acredita que a salvação vem de fora, mesmo que a um custo altíssimo: a da própria dignidade.

Não se pode descartar, contudo, que Trump esteja usando a ameaça pública como moeda de troca. Talvez queira forçar Maduro a negociar, inclusive economicamente, sob a espada de Dâmocles de uma ação mais contundente. Só que, nesse jogo, Maduro também sai ganhando: pode apontar para o mundo e dizer: “Estão vendo? Eu sempre estive certo”. E diante da dança desses dois personagens, um erro de cálculo pode desandar a maionese.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela. Foto: reprodução

Por fim, é inaceitável que, em pleno 2025, ainda se cogite esse nível de interferência na América do Sul, com o fantasma de uma ação militar pairando sobre nossa soberania.

A história, essa testemunha teimosa, nos lembra que os Estados Unidos têm uma longa e triste tradição de ajudar a derrubar governos na América Latina usando a CIA. Guatemala (1954), Brasil (1964) e Chile, em 1973, são exemplos, mas a lista é longa e manchada de sangue. Agora, a Venezuela entra oficialmente no radar. E o que parecia teoria da conspiração torna-se, mais uma vez, política externa.

Resta saber até onde irão dessa vez. E quem, na região, estará disposto a bater palmas.

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