
O governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, publicou um libelo no X lamentando a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. Não por seus crimes, não por ter violado reiteradamente medidas judiciais, tampouco pela tentativa de golpe de Estado orquestrada com o apoio de seus filhos e aliados.
Leite reclama porque “não gosta da ideia de um ex-presidente não poder se manifestar”. A declaração seria apenas patética se não fosse também profundamente perigosa.
Eis a papagaiada completa:
Como brasileiro, recebo com desânimo este episódio envolvendo a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não gosto da ideia de um ex-presidente não poder se manifestar, e gosto menos ainda de vê-lo ser preso por isso, antes ainda de ser julgado pelo órgão colegiado da Suprema Corte. Não discuto a legalidade ou a razão jurídica. Percebam que, de cinco presidentes eleitos após a redemocratização, apenas um, Fernando Henrique, não foi preso ou sofreu impeachment. Nosso país não merece seguir refém desse cabo de guerra jurídico-político que só atrasa a vida de todos há anos. Até quando vamos ficar dobrando a aposta pra ver o que acontece? Até quando nossa energia será consumida na busca de exterminar adversários mais do que em erradicar os graves problemas do país? Como nação, é hora de refletir sobre os graves danos da polarização e buscar novos caminhos. Não é mais sobre qual lado tem razão, é sobre manter a serenidade e a esperança no Brasil que sonhamos e queremos ter.
Omissão disfarçada de equilíbrio é o pior tipo de posicionamento político em momentos decisivos. Em 1964, muitos defenderam o golpe militar alegando que seria apenas uma transição para a normalidade, com eleições no ano seguinte.
Vinte e um anos depois, o país saía da ditadura com um rastro de tortura, censura, assassinatos e exílio. “Achei que estávamos salvando a democracia. Não imaginava que a estávamos enterrando”, disse Auro de Moura Andrade, presidente do Senado que declarou vaga a presidência da República e rifou Jango.
Hoje, novamente, o Brasil enfrenta uma ameaça real à democracia, mais uma vez sob a sombra dos EUA — e Eduardo Leite, diante disso, escolhe se preocupar com o “desânimo” de ver um ex-presidente criminoso usando tornozeleira.
Não apoiar o ministro do STF Alexandre de Moraes na contenção da extrema-direita é, neste momento, uma forma de conivência com os mesmos golpistas que tentaram depredar a República em 8 de janeiro. É fingir neutralidade enquanto o outro lado trama a destruição das instituições. É estender a mão à serpente achando que ela não vai morder.
O que Leite chama de “polarização” (maldito clichê) é, na prática, o enfrentamento de um campo democrático — que respeita eleições, a Constituição e o Judiciário — contra um projeto autoritário, que defende ruptura institucional e flerta com o fascismo. Colocar os dois lados como equivalentes é moralmente indefensável e historicamente irresponsável.
Eduardo Leite, com sua retórica supostamente elevada, já está marcando seu nome entre os que preferiram o conforto do muro ao dever de proteger as instituições.