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Milícia e tráfico são suspeitos de envolvimento em 29 casos de violência política nos últimos 4 anos no RJ

Em agosto de 2022, o ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, foi cercado por dois veículos e assassinado no Campo Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro. Além de ter sido eleito vereador pela cidade do Rio duas vezes (2000 e 2004), o político é um dos fundadores da Liga da Justiça, um dos maiores grupos milicianos em atuação no estado. As investigações da época apontaram que seu assassinato ocorreu a mando do rival Zinho, líder de outro grupo criminoso, o Bonde do Zinho.

Citado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias em 2008, Jerominho chegou a ficar onze anos preso e, quando saiu, tentou retomar seu capital político nas eleições de 2018, procurando dominar áreas onde um dia tinha chefiado, junto de seu irmão, Natalino. Acabou morto.

Esse é um dos casos contemplados no estudo Violência e crime no cotidiano da política, realizado pelo Observatório de Favelas em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), divulgado nesta terça-feira (14). O levantamento mostra que, entre janeiro de 2022 e junho de 2025, 29 casos de violência com motivação política teve como principais suspeitos pessoas ligadas ao tráfico de drogas ou milícias.

“Dentro deste universo específico, as facções que operam no tráfico de drogas teriam participação em sete eventos que resultaram em 14 vítimas, enquanto às milícias caberia a autoria de oito ataques que tiveram oito vítimas. Nos sete casos restantes, embora as notícias que utilizamos como fonte não tenham mencionado sobre quem recairiam as suspeitas, consideramos as dinâmicas dos crimes suficientes
para indicar a participação de grupos armados — optando, porém, por classificá-los como ‘autoria não identificada’”, discrimina o estudo.

“A despolitização desses casos transforma crimes de disputa de poder em fatos fortuitos. Quando o problema se torna só a ação dos grupos armados, você perde de vista um conjunto de atores que acabam sustentando essas ações”, afirmou Leandro Marinho, um dos pesquisadores do Observatório de Favelas, em coletiva de imprensa.

O levantamento leva em conta três bases de dados: junho de 2023 a junho de 2024; julho de 2024 a junho de 2025; e a base histórica que leva em conta casos desde janeiro de 2022. O território pesquisado abrange a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Baía da Ilha Grande. Há uma parte dos dados especificamente de casos da Baixada Fluminense, região tradicionalmente conhecida pela violência de caráter político, compilados desde 2015.

Outro ponto destacado é a participação de policiais e políticos como perpetradores de casos de violência política, obedecendo uma lógica em locais onde há atuação do crime organizado. Todos os casos de repressão policial à manifestação política aconteceram em territórios dominados pelo tráfico, o que pode evidenciar que o Estado não atua nas áreas de milícia.

“É preciso considerar ao menos outros dois aspectos: a ascensão da extrema direita, sua predisposição à violência e a baixa capacidade de controle das instituições em relação a isso; e a ingerência cada vez maior de grupos criminosos armados (principalmente as milícias) nas disputas políticas”, diz parte do estudo.

Os pesquisadores atribuem o período eleitoral municipal do ano passado como um fator determinante para o crescimento da violência de caráter político de uma forma geral. Entre junho e outubro de 2024, efetivamente o período de campanha eleitoral, foram registrados 71 casos de algum tipo de agressão, o que corresponde a 75,5% dos casos ocorridos no ano inteiro.

Um terço das violências foi motivada por ódio

O estudo tipificou as violências mais comuns: a verbal é a campeã, com 15% das ocorrências, seguida de repressão policial em manifestações políticas e atentado contra a vida, ambas com 12% de prevalência, ameaça (10%), agressão física (9%) e ameaça de morte (8%).

Dos 267 casos registrados, 89 foram motivados por ódio: um em cada três ataques teve motivação ideológica, racista, misógina, homofóbica ou transfóbica. O estudo aponta que este dado é “reflexo expressivo da atuação de forças de extrema direita no cenário político brasileiro”.

Um dos casos usados para ilustrar os dados foi um episódio emblemático ocorrido em 2024, quando uma ex-secretária e outras profissionais da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Município do Rio de Janeiro (SPM-Rio) registraram ameaças vindas de um perfil anônimo. A ação partiu de um grupo de homens que tinham sido sancionados pela Lei Maria da Penha. Os ataques tinham conteúdo racista e misógino e propagavam o ódio e a aversão a mulheres.

A pesquisa destaca que o caso revela um padrão estruturado de violência política de gênero, que vai além de ataques individuais e pontuais. “Essas mulheres, envolvidas diretamente em políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres, passaram a ser alvo por exercerem funções que buscam transformar uma realidade historicamente desigual. A tentativa de silenciamento e interrupção
de suas atividades por meio do medo, do constrangimento e da exposição pública é uma forma clássica de excluir mulheres do debate público e afastá-las de seus direitos políticos e institucionais”, avaliam os pesquisadores.

O estudo mostra ainda que, de 2022 para 2024, dobrou o número de ataques contra pessoas negras, passando de 17 para 30 casos. “Há uma relação entre o aumento de candidaturas negras e a maior vulnerabilidade dessas candidaturas”, pontua o pesquisador à Agência Brasil. Ele também lembra o fato de as duas últimas eleições, 2024 e 2022, terem tido mais candidatos negros que brancos. Em 2024, 52,7% dos candidatos eram negros, segundo a Justiça Eleitoral. 

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