
A queda do quarto primeiro-ministro francês após menos de um mês no cargo atesta o isolamento e a fragilidade do governo de Emmanuel Macron. A escolha de Sébastien Lecornu foi um erro político muito grave, avaliou a Opera Mundi a cientista política francesa Florence Poznaski.
Ao invés de escolher um primeiro-ministro indicado pela esquerda, que tem maior representatividade no Parlamento, Macron “insiste” em nomear políticos próximos a ele, “como seu amigo Lecornu, cujo mandato era quase o mesmo do governo”. “Se ele renunciou tão rápido é porque realmente não tinha outra escolha. Macron é o responsável por tudo isso: por ter convocado eleições sem necessidade ao perder as eleições legislativas e por colocar governos que não resolveram a crise política”.
Poznaski disse que a queda de Lecornu ocorre em um contexto pré-eleitoral, englobando as eleições municipais de 2026 e as presidenciais de 2027. Isso faz com que, segundo ela, mesmo os partidos apoiadores de Macron “busquem uma postura política mais acirrada, até porque o presidente não irá se reeleger novamente, então há o objetivo de construir sim uma disputa política”.
Erros de Macron
Para Poznaski, a queda de Lecornu também explicita o esgotamento do dispositivo usado por Macron, em julho de 2024, quando o presidente francês dissolveu o Parlamento, após o bom resultado do Reagrupamento Nacional (RN), partido de extrema direita, nas eleições europeias. “Ele queria disfarçar o assunto político que era a vitória da extrema direita e reconquistar alguma legitimidade política através das eleições”, afirmou a cientista política ao observar que, naquele momento, “ele estava em uma situação política até mais confortável do que agora”.
Porém, ela observou o fato de Macron ter nomeado Lecornu dias antes da mobilização popular de 10 de setembro em “um desrespeito total com a voz das ruas”. Em sua avaliação, o presidente francês está muito isolado e atua por interesses pessoais. “Ele não está mais pensando em interesses sociais. Seu governo foi abaixo de tudo, inclusive em questões econômicas e ecológicas”, afirmou.
“Macron está seguindo a agenda dos patrões e da extrema direita que nem precisa estar no governo. Eles já estão construindo essa agenda. Muita gente diz que não tem um governo de extrema direita, mas que falta muito pouco”, afirmou.
Entre os exemplos dessa agenda, ela citou a votação de uma lei que reinseriu agrotóxicos proibidos na França, a redução do seguro-desemprego e a aprovação de uma restritiva lei de imigração. “A única coisa interessante que ele fez, por oportunismo, é essa proposta de reconhecimento da Palestina, mas após dois anos”.
No entanto, o governo francês cortou todos os pedidos de asilo de palestinos ao país. “É um protagonismo muito oportunista”, avaliou.
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Caminhos possíveis
Poznaski explicou que hoje a maior força no Parlamento francês é a Nova Frente Popular da esquerda, porém, são bancadas de partidos diferentes. Outra frente é composta pela extrema direita e há diversas siglas do centro e conservadores. Essas forças, apontou, “tem mais ou menos a mesma quantidade de parlamentares, o que nunca tinha acontecido na história política da França. É realmente ingovernável”.
Frente a este quadro, três saídas se abrem para o presidente francês. A primeira, é ele “finalmente” nomear alguém de um partido de esquerda. “Provavelmente seriam os socialistas ou os ecologistas, mas o novo governo também não duraria muito tempo devido à oposição dos dois outros grupos políticos. Até agora, Macron só olhou a direita e extrema direita, desconsiderando a esquerda”, observou.
A França Insubmissa, no entanto, não acredita nessa possibilidade, sendo favorável à dissolução da Assembleia. “Muitos partidos estão falando que tem que convocar novas eleições, mas isso tem um custo político grande e o processo ocorria em meio às preparações das eleições municipais”.
O problema, no entanto, é que essa solução seria um presente para Marine Le Pen. Condenada à inelegibilidade em primeira instância na Justiça, a líder da extrema direita apresentou um recurso, previsto para ser analisado antes das eleições presidenciais. “Se de fato ocorrer uma eleição em que ela possa concorrer antes do recurso, isso abriria uma jurisprudência para as eleições presidenciais. E como vai ser uma eleição muito curta, talvez eles não consigam impedi-la de concorrer”.
Macron, por sua vez, não tem nenhum interesse em dissolver a Assembleia Nacional, afinal, “é impossível imaginar que ele tenha um resultado melhor do que teve em 2024”.
6ª República
A terceira possibilidade seria a renúncia ou o impeachment do atual presente. A França Insubmissa, inclusive, já fez esse pedido, mas seria preciso maioria no Congresso para ele ser aprovado. “É impressionante ver como agora todo mundo está falando em renúncia, até gente do centrão, como o ex-premiê Édouard Philippe, reconhecendo a responsabilidade de Macron diante da crise”.
“Há um forte questionamento sobre o esgotamento da atual estrutura, até porque a estabilidade política sempre foi a diferença da França em relação a outros países como a Itália, Espanha, Portugal”, disse. Neste sentido, “talvez seja o momento de entrar com o debate por uma nova Constituição no país”.
Essa tem sido a pauta de diversas organizações políticas, em particular da França Insubmissa. “A nossa Constituição, aqui chamada de 5ª República é de 1958. É o momento de entrar com esse debate por uma 6ª República, talvez com a convocação de uma Assembleia Constituinte”, afirmou.
O post ‘Macron é o responsável pela instabilidade política na França’, afirma especialista apareceu primeiro em Opera Mundi.