Um goleiro de 26 anos, no auge da carreira, descobre que está grávido. A partir daí, enfrenta pressões de familiares e amigos, comentários sobre as transformações no corpo e o julgamento público caso decida interromper a gestação. Essa é a trama de Impedimento, uma história em quadrinhos criada por Gabi Juns, diretora do Instituto Lamparina, em parceria com a argentina Jasmim Luz e a mexicana Lucila Sandoval. A HQ será lançada neste sábado (27), às 10h, no Museu do Futebol, em São Paulo (SP), durante o Festival Cultura Futebol Clube.
“Pensamos nessa ideia de fazer essa inversão dos papéis, muito baseada num comentário de rede social que é super comum, que é: ‘se os homens engravidassem, o aborto já seria legalizado no Brasil’”, explica Juns, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “Trazer os homens junto e falar no tom do futebol foi uma tentativa também de alcançar os mais jovens, que estão vivendo situações que precisam de informação, de reflexão.”
A escolha pelo formato em quadrinhos tem como objetivo ampliar o alcance do debate. “O poder das imagens é importante e a falta de limite na ilustração para nós foi super importante na escolha”, diz a diretora. No pré-lançamento, realizado durante a Bienal de Quadrinhos, entre 4 e 7 de setembro, em Curitiba (PR), ela percebeu estar discutindo aborto em um lugar onde o tema dificilmente teria espaço.
Retrocessos no Congresso
Mesmo com a legalização do aborto quando a gravidez representa um risco de vida para a gestante, resulta de estupro ou em casos de anencefalia do feto, propostas que buscam restringir o direito avançam no Congresso. Em novembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o “direito à vida desde a concepção”, medida que na prática proibiria até os casos hoje permitidos.
Já em junho de 2024, deputados aprovaram a urgência de um projeto que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, mas a tramitação foi interrompida após forte uma reação popular.
Um projeto que visa derrubar resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que trata das diretrizes do aborto legal em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, também está avançando na Câmara dos Deputados. “Entendemos que as gravidezes de todas essas meninas não devem ser levadas adiante se elas não quiserem, que são frutos de violência. Isso está legalizado, mas o tempo inteiro essa questão está ameaçada”, alerta Juns.
Para a diretora, essas movimentações se tratam de uma estratégia de pânico moral. “Tem muitos projetos de leis que são inconstitucionais desde o nascimento deles. Avalio como um uso de recurso público muito mal feito porque está ocupando tempo do Parlamento para coisas que já nascem inconstitucionais”, lamenta.
Ela também critica a negligência em procedimentos de aborto legal no Brasil. “A maior parte dos abortos feitos no mundo, no sistema legal, são feitos com comprimidos. Não tem um drama, um trauma, a não ser que tenham complicações. Precisamos ter um sistema de saúde que acolha e cuide das questões do jeito mais humano possível”, defende.
Questão de saúde pública
Gabi Juns lembra que a Argentina e o México já avançaram na legalização do aborto, ainda que em cenários políticos distintos. Ela ressalta que a experiência internacional mostra que o tema vai além da polarização ideológica. “É uma questão de saúde pública, porque está ligada à morte materna, principalmente, e no Brasil é uma questão de classe e de raça”, afirma.
Mesmo onde houve conquistas, lembra, os direitos seguem em disputa. “A mudança nas leis não necessariamente significa a mudança nas normas sociais. Elas [as autoras estrangeiras] vêm com mais liberdade do que eu para falar mais abertamente sobre o tema. E eu tento escrever de um jeito que consigamos dialogar com a população brasileira de forma mais leve”, compara.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira: a primeira às 9h e a segunda às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.
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