
Uma nova série documental da BBC detalha os abusos cometidos pela seita cristã britânica conhecida como Exército de Jesus, que atuou por décadas no Reino Unido e foi formalmente dissolvida há cinco anos. O grupo, que chegou a reunir até 3 mil membros e mantinha casas comunais em diversas regiões, agora é denunciado por centenas de ex-integrantes, muitos deles vítimas de violência física, psicológica e sexual.
O movimento nasceu como Fraternidade de Jesus, em 1969, e cultivava a imagem de uma igreja alternativa, com forte estética militar e frota de ônibus coloridos. Por trás da fachada, no entanto, praticava a separação de crianças de seus pais, sessões de exorcismo forçado, castigos físicos, doutrinação intensiva e abusos sexuais encobertos por líderes religiosos. Uma a cada seis crianças foi vítima de abuso sexual, segundo levantamento feito a partir das queixas recebidas.
A diretora Ellena Wood, responsável pela série documental, entrevistou mais de 80 sobreviventes e familiares. Em muitos casos, ela foi a primeira pessoa a ouvir os relatos de trauma. Segundo Wood, os ex-integrantes ainda carregam culpa e medo, e muitos não compreendiam na época que estavam sendo abusados. Alguns, como o colaborador Nathan, admitiram que ainda hoje sentem vínculo com a seita e voltariam caso ela reabrisse.
O fundador do Exército de Jesus, Noel Stanton, morto em 2009, é apontado por ex-líderes como um “predador pedófilo” que manipulava vítimas e abafava denúncias. Documentos entregues à BBC incluem acusações de estupro e violência. O grupo se tornou objeto de investigação jornalística a partir de 2016, quando relatos começaram a vir à tona, impulsionando pedidos de responsabilização civil e reparações.
Em 2024, um esquema de indenização financiado parcialmente por seguro pagou cerca de 12 mil libras (R$ 89,5 mil) em média a cada vítima reconhecida. A Fundação Fraternidade de Jesus, responsável pela liquidação do grupo, emitiu um pedido de desculpas público, reconhecendo a gravidade dos crimes e o sofrimento das vítimas.
O documentário “The Jesus Army Cult”, que deu origem à reportagem da BBC, reforça o impacto duradouro de seitas religiosas e levanta questionamentos sobre como elas conquistam e mantêm controle sobre fiéis. A produção também expõe a omissão institucional diante de sinais claros de abuso, revelando uma rede de silêncio que perdurou por décadas.