Dmitry Medvedev, que foi presidente da Rússia entre 2008 e 2012 e primeiro-ministro de 2012 a 2020, transformou-se em um dos principais porta-vozes das ameaças mais agressivas do Kremlin. Atual vice-presidente do Conselho de Segurança russo, ele passou de aliado liberal de Vladimir Putin e defensor do diálogo com o Ocidente a um dos maiores disseminadores da retórica mais hostil adotada atualmente pelo governo russo.
Desde o início da guerra contra a Ucrânia, em 2022, suas declarações nas redes sociais tornaram-se cada vez mais provocativas, com ameaças nucleares e ataques diretos a líderes internacionais — inclusive ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Nos últimos dias, Medvedev reacendeu o confronto verbal com Trump. A tensão aumentou após o republicano declarar, na segunda-feira (28), que Moscou teria dez dias para decretar um cessar-fogo na Ucrânia, sob pena de enfrentar novas sanções.
A resposta de Medvedev foi imediata: acusou Trump de jogar o “jogo do ultimato” e afirmou que isso representava “um passo em direção à guerra”. Na quarta-feira (30), Trump subiu o tom, chamou Medvedev de “fracassado” e o alertou para “ter cuidado com as palavras”.
Em reação, Medvedev fez uma ameaça direta: “Trump deveria se lembrar de como a lendária ‘Mão Morta’ pode ser perigosa”, referindo-se ao sistema soviético automatizado que lançaria armas nucleares em caso de destruição da cadeia de comando russa.
🇷🇺🇺🇸 O ex-presidente russo Medvedev pede ao presidente Trump que se recorde do “quão perigosa a lendária Mão Morta pode ser”.
‘Dead Hand’ é um sistema que lança mísseis nucleares automaticamente se a liderança da Rússia for destruída. pic.twitter.com/YMXKviJNuO
— Robinson Farinazzo (@artedaguerracnl) July 31, 2025
Ataques a Trump e ao Ocidente
A resposta de Medvedev não ficou só no campo verbal. No dia seguinte à ameaça, Trump ordenou o envio de dois submarinos nucleares para “as regiões apropriadas”, justificando a medida com o risco de que as falas de Medvedev “não sejam apenas retórica”.
Essa foi a reação mais dura de Trump ao ex-presidente russo, depois de um período em que o republicano evitava críticas diretas a Moscou. “Ele ameaçou usar armamento nuclear”, disse Trump a jornalistas, acrescentando que “precauções” eram necessárias.
O episódio marca o auge de uma escalada de provocações que Medvedev vem dirigindo não só aos EUA, mas também a outros líderes ocidentais.
Ele já chamou o chanceler alemão Friedrich Merz de “mentiroso como Goebbels” — ministro da Propaganda da Alemanha nazista — e celebrou as dificuldades da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a quem chamou de “malvada”.
Também não economizou nas ofensas ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e frequentemente menciona a possibilidade de guerra nuclear como resposta à atuação da Otan e dos EUA na Ucrânia.
Apesar de sua retórica inflamada, analistas ponderam que Medvedev tem hoje pouca influência prática nas decisões estratégicas do Kremlin, amplamente dominado por Putin. No entanto, suas falas servem como termômetro do discurso mais radical da elite russa e podem funcionar como teste de Moscou para medir a reação do Ocidente a ameaças veladas.
A queda do liberal e a ascensão do provocador
Nascido em Leningrado (atual São Petersburgo), Medvedev formou-se em Direito e iniciou sua carreira política nos anos 1990 ao lado de Putin, na prefeitura da cidade.
Em 1999, Medvedev foi levado por Putin a Moscou e teve uma ascensão rápida: tornou-se chefe do gabinete do Kremlin em 2000, vice-primeiro-ministro em 2005 e, em 2008, assumiu a presidência da Rússia — já que Putin, impedido pela Constituição de disputar um terceiro mandato consecutivo, não pôde concorrer.
Na época, os dois realizaram o que ficou conhecido como uma “permutação”: enquanto Medvedev ocupava a presidência, Putin assumiu o cargo de primeiro-ministro, retornando ao comando do país como presidente em 2012.
Durante sua presidência, Medvedev cultivou uma imagem moderna e aberta ao diálogo com o Ocidente. Era próximo de Barack Obama, apoiou a abstenção da Rússia no Conselho de Segurança da ONU em 2011 para permitir a intervenção da Otan na Líbia, visitou o Vale do Silício, ganhou um iPhone de Steve Jobs e criou uma conta no Twitter (hoje X).

Fã da banda Linkin Park, ele representava a ala liberal do putinismo e chegou a propor reformas para modernizar a economia russa.
No entanto, sua autonomia era limitada. Putin reassumiu a presidência em 2012 e Medvedev virou primeiro-ministro, cargo que ocupou até 2020, quando foi destituído e substituído por Mikhail Mishustin.
A partir daí, passou a ocupar um papel secundário no governo, mas ganhou espaço como voz da ala mais dura do Kremlin por meio de publicações incendiárias nas redes sociais, principalmente no Telegram.