
A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), criada oficialmente em 1947, consolidou-se não apenas como um instrumento de coleta de informações, mas como uma máquina global de intervenção política, moldando governos e redefinindo fronteiras segundo os interesses de Washington. Desde a sua fundação, a CIA esteve envolvida direta ou indiretamente em dezenas de golpes de Estado, conspirações e operações secretas na América Latina, na Ásia, na África e no Oriente Médio.
Ao longo de mais de sete décadas, a agência acumulou um histórico de ingerência e desestabilização que marcou profundamente a política internacional. Sob o pretexto de “defender a democracia” e “conter o avanço do comunismo”, a CIA apoiou ditaduras militares, financiou grupos armados, manipulou processos eleitorais e patrocinou campanhas de desinformação.
As origens da política de intervenções
O início da Guerra Fria, em meados da década de 1940, serviu de justificativa para a expansão global da CIA. Documentos hoje desclassificados mostram que, ainda nos anos 1950, a agência participou de duas operações emblemáticas: o golpe de 1953 no Irã, que derrubou o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh após ele nacionalizar o petróleo, e o golpe de 1954 na Guatemala, que depôs o presidente Jacobo Árbenz, acusado de simpatizar com o socialismo por enfrentar os interesses da multinacional americana United Fruit Company.
Essas duas ações inauguraram um modelo de interferência que seria replicado em várias partes do mundo: financiamento de elites locais, apoio a militares, sabotagem econômica e propaganda ideológica. A América Latina tornou-se um laboratório dessas operações.
A América Latina como zona de influência
Durante as décadas de 1960 e 1970, a CIA operou com intensidade na região. A agência foi uma das protagonistas do golpe militar de 1964 no Brasil, que depôs o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura de 21 anos. Relatórios posteriormente revelados mostram que a embaixada dos EUA no Rio de Janeiro e o Departamento de Estado acompanharam de perto a conspiração militar e enviaram navios da Marinha americana para apoiar logisticamente o movimento golpista.
De acordo com documentos divulgados pela Biblioteca Nacional de Segurança dos EUA, a operação contava com autorização direta do presidente Lyndon B. Johnson. O plano incluía fornecimento de combustível e armamentos às tropas brasileiras em caso de resistência. Em apenas alguns dias, Goulart foi deposto e o país mergulhou em um regime de censura, tortura e repressão.
O envolvimento americano no golpe de 1964 não foi um episódio isolado. A CIA repetiria a mesma lógica em outros países da região. Em 1965, apoiou a intervenção na República Dominicana; em 1973, organizou, junto ao governo de Richard Nixon, o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile e levou o general Augusto Pinochet ao poder. No Uruguai, Argentina e Bolívia, a agência também financiou redes de cooperação militar e programas de inteligência que resultaram na Operação Condor, responsável por perseguições e assassinatos transnacionais de opositores.
Intervenções na era contemporânea
Mesmo após o fim da Guerra Fria, a CIA manteve seu papel ativo em golpes e guerras híbridas. Nos anos 2000, foi apontada em operações clandestinas no Oriente Médio, em especial durante as guerras do Iraque e do Afeganistão. Ao longo da década de 2010, as denúncias de manipulação política e “mudanças de regime” se estenderam a países como Líbia, Síria, Ucrânia e Venezuela.
Em 2019, o então presidente Donald Trump em seu primeiro mandato chegou a admitir que “os Estados Unidos estão sempre do lado certo da história”, ao comentar sobre tentativas de derrubar Nicolás Maduro na Venezuela. Documentos revelados pelo jornal New York Times mostraram que a CIA participou de estratégias de desestabilização política e sanções econômicas para minar o governo chavista — o mesmo padrão aplicado em golpes anteriores.
Mais recentemente, em 2025, reportagens do jornal Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Valor Econômico confirmaram que o governo Trump, agora no segundo mandato, havia autorizado oficialmente ações secretas da CIA para retirar Maduro do poder, repetindo a retórica de “libertação democrática” usada durante a Guerra Fria. A diferença é que, agora, as operações são justificadas sob o rótulo de “defesa da liberdade” e “combate ao narcotráfico”.
A guerra psicológica e a manipulação midiática
Outro aspecto marcante das operações da CIA é o uso sistemático da guerra psicológica e da propaganda. A agência financiou jornais, rádios e campanhas publicitárias para moldar a opinião pública nos países-alvo. No Chile, antes do golpe de 1973, a CIA injetou milhões de dólares em campanhas de desinformação contra Allende. No Brasil, durante os anos 1960, agentes da embaixada americana apoiaram jornalistas e políticos dispostos a promover o discurso do “perigo comunista” e do “resgate da democracia”.
Essa simbiose entre inteligência e mídia consolidou um modelo de manipulação de massas, que ainda hoje se reflete na forma como a imprensa brasileira trata as ações da CIA. Ao reproduzir narrativas prontas e evitar questionamentos sobre a soberania latino-americana, parte significativa da mídia atua como transmissora de versões oficiais dos Estados Unidos.
O legado da interferência
Da Guatemala a Bagdá, de Santiago a Brasília, a marca da CIA é a intervenção disfarçada de libertação. Seus métodos — sabotagem econômica, assassinatos políticos, espionagem e manipulação eleitoral — deixaram um rastro de instabilidade, autoritarismo e dependência econômica.
No Brasil, o golpe de 1964 permanece como um dos símbolos mais claros da ingerência estrangeira nos destinos de um país soberano. E, passadas seis décadas, os ecos dessa influência continuam audíveis, seja na política, na economia ou no discurso midiático.
A história mostra que, enquanto houver uma potência disposta a manipular os rumos de outras nações em nome da “liberdade”, e enquanto houver elites dispostas a aceitar esse papel subordinado, a América Latina continuará sendo palco de intervenções que travestem a dominação de benevolência. Com Brasil 247