
As terras raras voltaram ao centro das disputas econômicas e geopolíticas globais. Esses minerais são essenciais para a produção de tecnologias avançadas — de smartphones e carros elétricos a caças militares — e sua demanda cresce em ritmo acelerado.
Segundo reportagem da Sputnik Brasil, o governo brasileiro, sob liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinou que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a diretora do Serviço Geológico do Brasil (SGB), Sabrina Góis, priorizem o mapeamento detalhado do território nacional. Hoje, apenas 27% do solo do país está devidamente estudado, mas mesmo assim o Brasil já detém a terceira maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas de China e Vietnã, de acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
Apesar do potencial, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil alertam que o país pode desperdiçar essa “chance de ouro” caso repita o modelo puramente exportador, vendendo matéria-prima bruta em vez de desenvolver tecnologia e dominar toda a cadeia de valor.
Risco de repetir o passado
Para Luiz Jardim Wanderley, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Brasil mantém uma política mineral voltada à exportação e pouco comprometida com o desenvolvimento industrial.
“A política mineral brasileira vem sendo colocada como um modelo exportador, seja do minério de ferro, seja do cobre, seja do lítio, e, agora, das terras raras. O Brasil vai se manter como um país minero-exportador, porque esse tem sido o projeto nacional ligado à mineração, adquirir divisas a partir da exportação”, afirmou o pesquisador.
Wanderley acredita que, embora novas descobertas de grande porte sejam raras no mundo, o território brasileiro ainda guarda potencial inexplorado — especialmente em áreas preservadas — que pode atrair o interesse de China, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, entre outras potências. No entanto, o professor vê com ceticismo a possibilidade de uma mudança estrutural na política de exploração.
Soberania e tecnologia como desafio
Já Giancarlo Silva, CEO da ÍGNEA Geologia & Meio Ambiente e especialista em direito minerário e ambiental pela PUC Minas, avalia que o avanço do mapeamento geológico é crucial para definir políticas públicas que garantam soberania nacional sobre os recursos estratégicos.
“É importante que nossas políticas construam um cenário de proteção dos interesses nacionais e, ao mesmo tempo, possam atrair investimentos, do contrário corremos o risco de ficar fora da corrida”, disse Silva.
O geólogo lembra que o Brasil precisa investir em tecnologia própria para não depender de parceiros estrangeiros. Ele cita o exemplo do urânio, cuja regulação excessiva “impede e afasta investimentos privados e dificulta o avanço do conhecimento sobre o mineral”.
Sobre uma eventual cooperação com a China, maior potência mundial nesse setor, Silva pondera que a parceria seria “natural, mas não garantida”.
“A China domina por completo a cadeia de produção de terras raras e utiliza isso como alavanca política. Basta olhar o histórico recente, em que Pequim limitou exportações para pressionar outros países.”
Potencial e incertezas
Embora o mapeamento detalhado abra oportunidades econômicas e científicas, Wanderley ressalta que ele também pode ampliar o apetite de empresas estrangeiras por novos contratos de exploração.
“O Brasil tem abandonado o modelo industrial, de transformação de minério, em defesa de políticas de exportação e concessão dos ativos minerários para companhias internacionais”, alertou.
Silva, por outro lado, destaca que conhecer melhor o subsolo é o primeiro passo para formular uma estratégia de longo prazo.
“Os projetos de mineração têm um tempo médio de maturação que facilmente supera dez anos. É preciso desenvolver tecnologias que convertam recursos em reservas e produtos”, explicou.
Com reservas abundantes e potencial ainda inexplorado, o Brasil tem diante de si a oportunidade de redefinir seu papel na economia global. O desafio é transformar as terras raras em vetor de soberania e desenvolvimento — e não em mais um capítulo de exportação sem valor agregado.



