POLÍTICA

Sakamoto: para coronel, Bolsonaro é pai do golpe, e golpe era sinônimo de ‘solução’

O ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Getty Images

Por Leonardo Sakamoto, publicado no UOL

O coronel Flávio Pelegrino, assessor do general Braga Netto, deveria ganhar uma medalha. Se todos os militares que auxiliam golpistas fossem tão diligentes no registro dos acontecimentos, o trabalho da polícia e do sistema de Justiça seriam muito mais fáceis.

Segundo reportagem de Aguirre Talento, no jornal O Estado de S.Paulo, o coronel ouviu indiciados pela tentativa de golpe, além de advogados e militares, e apontou que a vontade da população expressa pelo resultados das urnas era um problema a ser resolvido, não algo a ser acatado.

“A posição de muitos envolvidos (indiciados) é que buscaram sempre soluções jurídicas e constitucionais (Estado de Defesa e de Sítio, GLO e artigo 142). Tudo isso para achar uma solução e ajudar o Pres B [presidente Bolsonaro] a se manter no governo (pois SEMPRE foi a INTENÇÃO dele), em função de suspeitas de parcialidade no processo eleitoral e desconfiança nas urnas eletrônicas”, escreveu.

Qual solução é possível para a derrota das urnas que não seja aceitar o resultado e tentar de novo em quatro anos?

O parágrafo confirma que partes dos militares viam como “soluções constitucionais” a aplicação golpista de instrumentos como Estado de Defesa e de Sítio e o decreto de Garantia da Lei e da Ordem, temperados com uma interpretação vagabunda e chinfrim do artigo 142 da Constituição. Juristas (sic) bolsonaristas afirmam que esse trecho dá poder às Forças Armadas para ser uma espécie de poder moderador da nossa democracia. Sim, coisa de viagem ruim de cogumelo.

E reafirma o que todos já sabem, mas é sempre bom lembrar: “sempre foi a intenção” de Jair Bolsonaro de permanecer no poder após perder a eleição (a.k.a. dar um golpe de Estado).

No documento, ele ainda diz que, pego com a mão peluda na cumbuca da democracia, a defesa do ex-presidente construiu uma tese de que os militares é que conspiraram e que a República não caiu graças a ele, praticando, dessa forma, seus esportes preferidos: o Arremesso de Responsabilidade à Distância e a Maratona da Terceirização da Culpa.

“Deixar colocarem a culpa nos militares que circundavam o poder no Planalto é uma falta total de gratidão do B [Bolsonaro] àqueles poucos, civis e militares, que não traíram ou abandonaram o Pres. B [Bolsonaro] após os resultados do segundo turno das eleições”, escreveu.

O coronel Flávio Peregrino. Foto: Reprodução

Bolsonaro atribuiu a governadores a responsabilidade pelas mortes na pandemia, pelos problemas de desemprego e de inflação durante a sua gestão, pelas mortes nas fortes chuvas que caíram na Bahia no final do seu mandato, pelo escândalo das joias da Arábia. Não é de se estranhar que adotasse o mesmo comportamento sobre a tentativa de golpe.

Por exemplo, ele jogou nas costas do general Augusto Heleno a responsabilidade pela proposta de espionagem à campanha eleitoral de Lula, em 2022, pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), durante entrevista que deu à TV Record no ano passado. “É o trabalho da inteligência dele, que eu não tinha participação nenhuma”, disse. Rá!

Mas, vale lembrar, o chefe era ele, que não fez nada diante da informação sobre isso. A reunião ministerial de 5 de julho de 2022 ficará para a História como a primeira do gênero em que um golpe de Estado foi discutido de frente para as câmeras, reforçando a tênue fronteira entre a autoconfiança e a burrice no bolsonarismo. Nela, Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, contou que pretendia infiltrar agentes da Abin na campanha de Lula.

O general Heleno ainda foi mais fundo, talvez para mostrar que não estavam de brincadeira: “O segundo ponto é que não tem VAR nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.

E, não contente, foi além: “Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro”.

Mas não é necessário Bolsonaro e militares se digladiarem na reta final do julgamento. Tem espaço para condenar todo mundo, cada um com sua responsabilidade e pena.

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