POLÍTICA

Escritor israelense antissionista denuncia pressão para calá-lo em feira literária no RJ

O historiador Ilan Pappé em palestra na Flip. Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress

A participação do historiador israelense Ilan Pappe na 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) ocorreu sob um rigoroso esquema de segurança na última sexta-feira (1), com revistas individuais por detectores de metal, evidenciando a tensão em torno de suas palestras no Brasil. Com informações da Folha de S.Paulo.

O acadêmico, conhecido por suas críticas contundentes ao sionismo e ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, revelou em sua primeira declaração no evento: “Houve pressão para que eu não falasse aqui nesta noite. Sou grato ao festival por ter permitido que a gente pudesse discutir a questão palestina de maneira livre e democrática”.

Pappe, judeu israelense nascido em Haifa em 1954, construiu sua reputação como um dos principais críticos de Israel a partir de pesquisas em arquivos oficiais do país. Suas conclusões, que contestam a narrativa histórica oficial israelense, estão compiladas em obras como “A Maior Prisão do Mundo: Uma História dos Territórios Ocupados por Israel na Palestina” e “Dez Mitos Sobre Israel”.

A organização da Flip confirmou ter recebido pressões de setores da comunidade judaica brasileira. Mauro Munhoz, diretor artístico do festival, relatou ter recebido “algumas manifestações elegantes” sugerindo a inclusão de um debatedor para fazer contraponto a Pappe.

“A curadoria da Flip tem autonomia, e isso é um princípio fundamental. Está no nosso DNA. Não temos a pretensão de ser um seminário acadêmico sobre o tema”, explicou Munhoz, destacando o histórico plural do evento.

Palestinos sequestrados pelas forças israelenses em Gaza. Foto: reprodução

A resistência à presença de Pappe se estendeu a outras instituições. Na Universidade de São Paulo, o diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Adrián Pablo Fanjul, recebeu uma carta da organização judaica Bnai Brith expressando “profunda preocupação” com a palestra programada do historiador.

O documento classifica Pappe como promotor de discursos que alimentariam o “antissemitismo contemporâneo”. Fanjul, que é judeu, classificou a situação como “insólita” e enfatizou a importância do debate acadêmico livre.

Na Faculdade de Direito da USP, um evento com Pappe previsto para o Salão Nobre foi transferido para a sala dos estudantes, mesmo contando com a participação de nomes como o ex-ministro do STF Francisco Rezek e a relatora especial da ONU Francesca Albanese. A professora Eunice Prudente, ex-secretária de Justiça de São Paulo, distanciou-se publicamente do ato, afirmando em redes sociais que não autorizou o uso de seu nome na divulgação.

Durante sua palestra na Flip, mediada pela professora Arlene Clemesha do Departamento de Árabe da USP, Pappe compartilhou sua trajetória intelectual desde sua formação tradicional israelense até se tornar um crítico ferrenho das políticas de seu país. “Sentia que tinha responsabilidade pelas coisas terríveis que estavam sendo feitas em meu nome”, declarou, descrevendo o que chama de “jornada moral” que o levou ao exílio acadêmico na Inglaterra após ser demitido da Universidade de Haifa.

O historiador apresentou uma análise contundente do conflito israelense-palestino, caracterizando a criação de Israel como um “projeto europeu de colonialismo de povoamento” e descrevendo Gaza como um “campo de refugiados gigante com modelo prisional”.

Sobre os ataques de 7 de outubro de 2023, que mataram 1.200 israelenses, Pappe afirmou: “Isso não justifica a violência que foi praticada ali, mas é preciso tratar do contexto. As pessoas em Gaza vivem sob um regime que não se vê desde a Segunda Guerra Mundial”.

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