
A recente censura imposta pela Arquidiocese de São Paulo ao renomado padre Júlio Lancellotti ganha novos contornos com a revelação de uma campanha sistemática articulada por influenciadores da extrema direita católica. O Movimento Brasil Livre (MBL), através de figuras como Miguel Kazam, com mais de 100 mil seguidores, é apontado como um dos principais atores na transformação do sacerdote em alvo permanente, exercendo pressão pública sobre a Igreja.
A estratégia de Kazam, segundo informações obtidas, baseia-se na exploração de conflitos, associando a atuação pastoral de Lancellotti a supostos desvios morais e ideológicos. Críticas religiosas são misturadas a narrativas políticas típicas da guerra cultural, visando descreditar a imagem do padre.
O episódio envolvendo o curta-metragem “São Marino” tornou-se o epicentro dessa ofensiva. Kazam atacou a participação de Lancellotti na narração da obra, alegando que o padre promoveria uma agenda “trans” dentro da Igreja, uma acusação que tem sido investigada e arquivada por falta de provas.
Dossiê e acusações infundadas contra o padre
A ofensiva de Miguel Kazam não se limitou às redes sociais. O influenciador admitiu ter preparado e enviado um dossiê com denúncias graves à Arquidiocese de São Paulo e ao Vaticano, contando com o apoio de um advogado ligado à extrema direita católica. As acusações incluíam suposto envolvimento com menor, extorsão e chantagens.
No entanto, investigações conduzidas pela Justiça paulista, pelo Ministério Público e pela própria Arquidiocese foram arquivadas por ausência de materialidade. Apesar disso, Kazam continua a tratar insinuações como fatos consumados, alimentando um ambiente de linchamento moral contra o padre.
Estratégia de vitimização e contaminação do debate público
Paralelamente, o discurso de Kazam busca se proteger sob a narrativa de vítima. Após publicações críticas, ele alegou ter sido alvo de “assédio judicial” por parte de um suposto assessor de Lancellotti. Esse episódio foi explorado como prova de uma alegada proteção institucional ao padre, uma tática de inverter papéis e apresentar-se como perseguido para legitimar ataques mais agressivos, sem assumir responsabilidade pelo impacto de suas acusações.
O resultado dessa campanha foi a contaminação do debate público, tanto dentro quanto fora da Igreja. Parlamentares da direita, como o vereador Rubinho Nunes, ecoaram o conteúdo produzido nas redes, chegando a apresentar um pedido de CPI para investigar Lancellotti e organizações que atuam com a população em situação de rua. A iniciativa, contudo, naufragou após vereadores retirarem apoio, alegando terem sido enganados, mas o estrago político já estava feito.
Decisão da Arquidiocese como resposta à pressão
A decisão de Dom Odilo Scherer de restringir a atuação digital de Lancellotti surge nesse ambiente de pressão fabricada. Não se trata de um gesto isolado de prudência institucional, mas sim de uma resposta a uma ofensiva coordenada que transformou o padre em um problema administrativo para a Arquidiocese. Kazam e outros influenciadores conseguiram empurrar a hierarquia para uma posição defensiva, onde silenciar o alvo pareceu mais fácil do que enfrentar publicamente a máquina de difamação.
O curta-metragem “São Marino” e a controvérsia
O curta-metragem “São Marino”, dirigido por Leide Jacob e narrado pelo padre Júlio Lancellotti, estreou em 2022 e voltou a circular nas redes com anúncio de exibição no YouTube no último 1º de novembro. A obra propõe uma releitura contemporânea da história de Santa Marina, defendendo a interpretação de que a santa deveria ser reconhecida como São Marino por ser uma pessoa transmasculina.
Na narração, o padre Lancellotti afirma que “Marino foi canonizado como Santa Marina”. Ao final do trailer, os realizadores informam que o filme se basearia na história considerada “oficial”, divulgada no site da Arquidiocese de São Paulo e no canal Christian Youth Channel. A narrativa apresentada pelo curta contrasta com a tradição cristã oriental e ocidental sobre Santa Marina, onde o uso de vestes masculinas é visto como estratégia de ascese e sobrevivência, e não como afirmação de identidade de gênero nos moldes contemporâneos.
O projeto recebeu o Prêmio de Incentivo à Produção de Curta-Metragem (ProAC 30/2020), do governo do Estado de São Paulo, e estreou no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em novembro de 2022, circulando desde então por diversas mostras e festivais no país.
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