
Sem conseguir obter para si a tão desejada anistia, Jair Bolsonaro terminou por concedê-la involuntariamente à própria esposa.
Ao escolher Flávio como seu representante político num dos momentos mais sensíveis de sua trajetória, e fazê-lo justamente após a tensão pública entre Michelle e o senador (tensão que terminou com a vitória da ex-primeira-dama) Jair Bolsonaro envia um recado cristalino: confia mais no filho do que na esposa. E, ao fazê-lo, joga Michelle aos leões.
No dia em que foi preso, Bolsonaro não tinha Michelle ao lado. Ela estava no Nordeste; Flávio, por sua vez, cumpria a missão de organizar uma vigília improvisada que mais parecia uma operação de distração. Esse contraste escancara algo que vinha sendo cuidadosamente varrido para baixo do tapete: Michelle nunca foi matriarca do bolsonarismo. É sócia, não comandante; prestadora de serviços políticos, não figura central do clã. Sua atuação sempre esteve condicionada ao que podia obter em troca: influência, espaço, projeto próprio, numa lógica muito mais próxima de uma família mafiosa do que de uma instituição política tradicional.

Ao ungir seu primogênito como continuidade do projeto, Bolsonaro concede a Michelle uma espécie de anistia silenciosa. Ele a retira da linha de frente, aliviando-a das obrigações de representar um casamento que há muito já não cumpria sua função, embora fosse mantido, para o público, como parte do espetáculo. Michelle, agora, está livre desse fardo simbólico. Livre do papel de esposa do chefe, livre da coreografia conjugal que sustentava a estética do bolsonarismo.
Essa liberação não é apenas doméstica; é política. Ao ser preterida justamente quando sua performance começava a ganhar tração, Michelle ganha também a chance de seguir seu próprio caminho. E não será surpresa se, num futuro próximo, ela se reposicionar como alternativa ao bolsonarismo “de sangue”, construindo um projeto pessoal calcado nas próprias ambições e não no sobrenome que a aprisionou por tantos anos.
Bolsonarou lutou por si, mas quem conquistou a liberdade foi Michelle. E essa anistia pode custar caro ao bolsonarismo.



