
O Chile abriga a maior comunidade palestina fora do mundo árabe e também a maior da América Latina. Com a aproximação do primeiro turno das eleições presidenciais no país, as vozes dessa comunidade começam a serem ouvidas em um cenário em que o eleitorado terá que escolher entre a candidata do Partido Comunista (PCCh), Jeannette Jara, e o líder de extrema direita, José Antonio Kast, do Partido Republicano (PR).
Uma das integrantes dessa comunidade é a nutricionista Susana Giacaman, neta de imigrantes, que confessa seu orgulho em ser uma das cerca de 500 mil pessoas com ascendência palestina que vivem no Chile. Ela é militante da União Árabe da Região de Valparaíso, no litoral central do Chile, uma das zonas do país onde essa comunidade é mais numerosa, e também forma parte do movimento internacional BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções).
Embora tenha participado de diversas organizações pela causa palestina ao longo da vida, ela conta que os últimos dois anos, nos quais a luta pela causa teve como objetivo principal as ações contra o genocídio mais documentado da história, a impulsionaram a uma militância mais atuante e mais presente nas ruas.
“Vemos relatos históricos de como indígenas foram assassinados na América Latina, e eles foram horríveis, e agora estamos vendo isso de novo: um grupo colonial assassinando pessoas simplesmente por supremacia e para tomar um território, para roubar uma terra e exterminar um povo nativo, neste caso, o palestino”, disse a Opera Mundi.
Com o genocídio intensificado por Israel nos últimos dois anos, as relações bilaterais entre Santiago e Tel Aviv se tornaram tema de debate no primeiro turno das eleições presidenciais, onde os candidatos de direita se apresentam como aliados do sionismo, “especialmente Kast, Matthei e Kaiser”.
Além de Kast, a nutricionista se refere aos outros dois candidatos da extrema direita, que são Evelyn Matthei, da União Democrata Independente (UDI), e Johannes Kaiser, do Partido Nacional Libertário (PNL).
“Basta ver como funciona o lobby no Congresso, os votos dos seus parlamentares (de direita), sua presença em eventos da comunidade judaica e seu alinhamento com suas pautas. Em outras palavras, eles (Kast, Matthei e Kaiser) são candidatos sionistas”, afirma.
Mauricio Leandro Osorio
Aliança entre o pinochetismo e Israel
A ativista pelos direitos humanos também recorda que o setor representado pelo trio de candidatos extremista foi o que sustentou a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). “Não podemos esquecer jamais que quando a ditadura pinochetista foi submetida a um embargo internacional de armas (em 1976), o país que rompeu o embargo e vendeu armas àquele regime sanguinário foi Israel. E o Chile tem até hoje uma direita intrinsecamente ligada ao sionismo”, disse Giacaman.
O papel de Israel como “maior distribuidor de armas para Pinochet” é um dos tópicos explorados pelo acadêmico Rodrigo Karmy, membro do Centro de Estudos Árabes da Universidade do Chile, em um artigo intitulado Israel e Pinochet, sobre o envolvimento da indústria de segurança israelense no país, bem como seus vínculos com agências de repressão e inteligência.
Karmy ressalta o fato de que o relacionamento entre o Chile e a indústria militar israelense não terminou com o fim da ditadura pinochetista, pois os governos democráticos aprofundaram esse relacionamento. Quase todas as forças policiais e o Exército agora usam armas e munições israelenses por regulamentação, sendo a pistola Jericho a mais comum. Ademais, Tel Aviv ainda é um ator central no fornecimento de suprimentos militares para as Forças Armadas chilenas.
De acordo com Karmy, “os territórios palestinos ocupados funcionam como um campo de testes para a indústria militar israelense”. Ele cita empresas como Elbit Systems, IAI e Rafael, que atualmente são as principais parceiras da indústria de segurança chilena. Segundo o estudo, essas empresas testam seus sistemas primeiro em Gaza e depois os exportam para o Chile e outros países.
Em junho deste ano, o presidente Gabriel Boric anunciou em seu discurso público anual que o Chile deixaria de comprar armas de Israel, instruindo seu gabinete a buscar novos fornecedores.
Desde então, o Chile explorou mercados na Turquia, Espanha e Reino Unido. Porém, para Susana Giacaman, o gesto não basta: “temos que exigir que nossos políticos parem de financiar o sionismo. Até os municípios devem rever seus contratos”.

Mauricio Leandro Osorio
Palestina e o desafio eleitoral chileno
Para Susana Giacaman, o que aconteceu em Gaza e na Cisjordânia nos últimos dois anos “reavivou muitas feridas dentro da comunidade e muitas histórias que ouvimos de nossos ancestrais, e isso tocou em um ponto sensível”.
É por isso que tanto ela quanto organizações pró-palestinas no Chile reconhecem a postura “correta” do governo de Gabriel Boric em buscar mercados alternativos, num esforço para substituir o fornecimento da indústria de segurança israelense.
No entanto, essa postura é frágil. O governo Boric tomou essa medida menos de um ano após o término de seu mandato e diante da ameaça de uma vitória da extrema direita nas próximas eleições presidenciais, cenário que poderia levar a uma melhoraria das relações do Chile com o governo sionista de Israel.
Com o primeiro turno das eleições presidenciais marcado para o dia 16 de novembro, ativistas como Giacaman alertam para o perigo de um governo Kast e pedem para que os defensores da causa palestina façam “um voto com coerência, contrário a candidatos que apoiam o sionismo, para ajudar a Palestina”.
“Precisamos do desinvestimento israelense, especificamente do dólar, para interromper a produção de armas que continuam matando pessoas na Palestina. Portanto, nosso candidato deve ser sempre pró-Palestina e pró-BRICS. A luta dos oprimidos é transversal e, hoje, o voto também”, disse a militante da União Árabe de Valparaíso.
Por essa razão, tem se tornado comum que figuras conhecidas por sua defesa da causa palestina expressem sua adesão à campanha da candidata comunista Jeannette Jara, que foi ministra de Boric, e que representa demonstra uma postura a favor dos palestinos. Também é possível observar, com alguma frequência, a presença de bandeiras da Palestina durante os atos de campanha da representante da esquerda governista.
O post Causa palestina ganha força nas eleições presidenciais do Chile: ‘voto antissionista’ apareceu primeiro em Opera Mundi.